(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quarta-feira, 13 de junho de 2012

3ème Jour: Saravá Montmartre


Ainda apegado ao fuso horário brasileiro, dormi e acordei bem tarde. Preparei a mochila e parti. Mas esqueci o mapa no hotel!

Novamente desorientado, preferi começar o dia nas redondezas de Montparnasse, conhecendo ruas e comércio. Rapidamente desci ao metrô, dessa vez mais seguro, compreendendo números, cores e conexões, segui à estação de La Muette, bem próxima ao Museu Marmottan Monet. Lá encontrei um acervo bem mais interessante e abrangente do meu pintor preferido, várias telas clássicas, de Ninféias e, em especial, Impression, soleil levant. Furtivamente, saquei algumas fotografias, o que era veementemente proibido pela segurança.

À uma hora, naquelas cercanias, almocei (boa refeição, com bebida, na média dos 17 euros), e segui, por metro, ao Centro Georges Pompidou, onde há uma exposição de Henri Matisse. Mas repentinamente mudei o rumo: Opera Garnier (que estava com a sala de espetáculos fechada) e Galeria Lafayette (o tempo do consumismo parisiense, cujos preços, para conversão em real, não resultavam bons negócios).

Confiante que o dia poderia render mais, andei até o bairro boêmio de Montmartre. Supus que estava perto, passei pela histórica estação de Saint-Lazare (também retrata em tela por Monet), enfrentei chuva, passei pelo Molain Rouge e cercanias, repletas de lojas de todos os gêneros de saliência. Em uma delas, uma cafetina me abordou na calçada, insistindo para que eu assistisse ao show (20 Euros). Não inclinado, ela reduziu a 10, depois a 5. Eu disse que voltaria mais tarde. Ela retrucou, consternada: après, 20!

Meia hora depois, alcancei o bondinho que conduz à base da Basílica do Sacré Coeur. De lá, circulei o bairro, que em alguns aspectos me relembrava Lapa e Santa Tereza e,em cujas ruas transitavam intelectuais, escritores, pintores e artistas de várias épocas.

Mesmo sem saber o caminho de volta, lancei-me em um Restaurante animado, com  talentoso conjunto musical, composto por um pianista, um percussionista e uma cantora, daquelas que se reputa um talento perdido. Cantou várias boas músicas do cancioneiro francês e internacional, enquanto passava de mesa em mesa com o cardápio musical. Eu estava sentado numa mesa bem ao lado dos músicos, com um casal de venezoelanos à esquerda, e outro casal, de franceses.

Tomando por base a desenvoltura da cantora, percebi que logo seria alvo.  Pedi vinho tinto e um croque-monssieur. Quando me trouxe o cardápio musical, de duas páginas, apontei para Que reste-t-il de nos amours, de Charles Trenet. Ela empolgou-se, e vendo que eu cantarolava alguma coisa, achegou-se e me pôs o microfone. Pela dificuldade da língua, cantar até pareceu mais fácil; consegui brincar com alguns versos. Terminada a brincadeira, perguntou minha origem e  quando disse "brasileiro": pronto, comoção contagiou as mesas vizinhas. Ela eriçou-se, e sem economias emendou: "Moro num país tropical... tenho um fusca um violão... sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza".

Nesse instante, algumas pessoas próximas levantaram-se e esboçaram alguns passos, puxando-me também pois, como brasileiro, estava moralmente obrigado a demonstrar o legítimo molejo que sacode os trópicos. Hilário; tudo registrado pelo casal de venezoelanos, que bateu algumas fotos na minha máquina.

Despedi dos vizinhos de continente e de mesa e saí sorrateiramente, evitando couvert artístico mais elevado por conta da participação efusiva ou  ser compelido a comprar o CD da cantora (20 Euros!).

Saí leve, descendo as escadarias de Montmartre como se fossem as de Santa Tereza, na paz de quem, em algum momento, encontraria o caminho de volta.

Concluí que o tal do borogodó, tão brasileiro, talvez seja o recurso mais valioso dos novos tempos. Tal qual o ingrediente secreto da Coca-Cola. É como se os europeus em geral tivessem toda a história nas mãos, mas lhes faltasse um rumo de agora em diante. Portamos alguma novidade intrínseca. Um tempero, um verso final que completa e dá sentido ao poema alheio. Talvez seja: saudade, borogodó e saravá.

2 comentários:

  1. Que relato! E que terceiro dia, hein? Cheio de surpresas! Adorei o texto inteiro... vc me lembrou o Chico em Budapeste :)

    Bjs

    ResponderExcluir
  2. São tantas emoções! Lá vem vc cariocando no estrangeiro...

    ResponderExcluir