(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quinta-feira, 26 de março de 2020

quarentema

Lembro da minha ingenuidade e sinto saudade, mesmo sem tê-la perdido.

segunda-feira, 23 de março de 2020

quarentena in quaresma

o que paira sobre nós
é o que pára sub o título:
"a parada pré-parada"

pois urdia o urgente
desarmar-se tão de repente
a fazer da natureza passadiça
o inesperado tempo presente

assim,
te toca
entoca
o intocado
em ti

aquieta o suspiro
faze imperceptível silêncio 
deixa refazerem as ondas
e Copacabana a areia branca

até enfim o lumiar do mundo novo
à tua espera irá cantar


quarta-feira, 11 de março de 2020

farinha láctea

quando criança, sempre olhava o céu e apontava estrelas, aceitando a lenda de ganhar verrugas

passaram-se tantos anos e sinto que as estrelas seguem as mesmas, como se vivessem um tempo acima do tempo
e nossas décadas lhe fossem segundos

entre o menino e o homem a mesma estrela hirta, confinante do incerto

estará perto ou longe? será brilho novo ou luz enfraquecida? quantos meninos viu tornarem-se homens? quantos lhe apontaram e já viraram pó?

stardust: elas também se findam suave, embora muito, mas, muito mais lentamente, saboreando a delícia do implacável apagar

abro as janelas, pálido de espanto
espio todos os andares vizinhos
quase todos, excetos os insones, dormem

hoje é dia de lua máxima cheia
toda nua, inunda a rua
e nem lhe dou bola

quero-te estrela
dos meus apontamentos de ontem e agora

como antes vivia o céu
curtindo a aragem fria e leve da serra
hoje revivo tudo isso
silenciado sob um cálice de tinto

e quase parnasianando
sei que as amo para entendê-las:
lembrei até que o céu nos havia

perdoai por todo o tempo desalongando o pescoço
sem fazer notar minha miúda significância 
curiosamente tamanha à tua grandeza, que chega aqui em um rastro singelo, quase sussurante

que será do teu tempo, estrela? 
viveste, olhaste, choraste, enfraqueceste tua luz? 

alumia como sempre e sou eu, ora, míope?