(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Saudosa Miloca

Eu nunca tinha experimentado a morte tão de perto. Já perdi um avô materno e um avô paterno, mas era criança, minhas percepções eram outras. Mas com Dona Miloca foi tudo diferente. Ela era da pá-virada, sempre com uma fala pronta, estava longe de ser a mais politicamente correta das avós. Sempre autêntica: rústica, criada por minha tataravó numa casa enorme, na Tijuca, que "tomava um quarteirão inteiro" - dizia. Seus pais eram bem simples: a mãe zelosa e o pai, vez em quando ficava "bicado", e ouvia chorinhos. A vida lhe deu um grande amor, meu avô: "o velho era alto, muito bonito, mas era safado que só ele". E assim, muitas vezes ela, no alto da revolta com as traquinagens do velho, ameaçava sair de casa, ou quebrava cristais, enquanto ele se quedava num silêncio insuportavelmente elegante. Dona Miloca resumia minhas vivências mais cariocas, as coisas da Tijuca, os irmãos de Realengo, toda essa malandragem que contava de longe, pois teve uma vida boa, confortável. Quando ia num restaurante chique com meu avô, às vezes curtia levar um talher de prata pra casa. Uma vez, dentro das Lojas Americanas, a luz acabou e ela abriu um saco de balas e me disse "toma, seu bobo". O que beirava a vilania ficava cômico com Dona Miloca. Quando puxava os filhos (ou netos) pra dentro de casa, pra lancharem às escondidas para não dividirem com os amiguinhos na rua. Essa irreverência de personagem escapava ao cristianismo, embora fosse devotíssima à Nossa Senhora.

Ela foi a avó que permitia o impossível, nos presentes mais caros: Castelo de Grayskul, bicicleta, computador; nos passeios ao Rio Sul, Mesbla, Sears. Na adolescência, minha maior alegria era que passasse uns dias em Teresópolis e comentasse dos vizinhos, parentes e, me fizesse rir tanto quando lhe perguntava se algum quitute estava bom e ela respondia na lógica negativa: "não está ruim não". Por tantas coisas, era muito difícil conviver com ela: se foi avó divertida, seus sobressaltos assustavam os filhos. E carregava dentro de si a centelha da insatisfação humana, que com o tempo, foi se agravando; mas sua personalidade resiliente a tornava imune à ação do tempo. Sempre com boas feições, nunca padeceu de doença grave; viveu saudável até o fim, embora sempre clamasse pelos créditos de seu filme. Desde os setenta e poucos já resmungava "já tô fazendo biscoito, não quero ficar enchendo vocês muito tempo não". Mas o tempo lhe concedia mais e mais, ironizando suas súplicas.

Só nos últimos três anos percebi que ela foi se exaurindo vagarosamente, nas idéias, nas certezas. Restava uma teimosia cíclica e repetitiva, com a qual a discussão era inócua. Nos últimos meses, senti minha avó se esvaindo.

Ontem ela partiu e me caiu a ficha que àquela personalidade forte não foi concedido o dom da imortalidade.

A parti daí me doeu, senti a perda, já calculada, mas ainda não sabida.

Ocorreram tantas fotos, falas, imagens, possibilidades.

Nunca houve graça no Natal sem ela; as reuniões de família tinham outro teor.

Tudo isso fica latejando em mim, num desarranjo, numa absoluta incapacidade de transmutação.

Não sei se posso resumi-la a lembranças, porque o improviso de suas tiradas eram a maior arte.

(...)

Enquanto isso, um grande amigo meu teve uma filha. A vida aponta novos atores.

(...)

Uma foto nossa desponta no porta retrato digital: eu, vó e minha afilhada, ainda bebê.

As gerações se sucedem, mas nada se substitui.

O doce de laranja-da-terra é improrrogável.

A morte não transforma, esfacela.

Mas após o fim, saudade me resta, saudosa:
-Saudosa Miloca!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

InteRIOrano

Dentro de mim houve um rio
Até que houvesse Rio
E eu encontrasse o mar.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Exteriorano

Acordo com as janelas abertas desde que extirpei minha perna interiorana.

Então, ando meu passo corrido e travo assuntos rápidos 
sem que nada seja abrupto;

Contudo, no seio disso tudo,
realço minha desimportância.

A vida corriqueira, como a dialética do rio e da margem, mostra rochas que sobrevivem ao curso:
alheias à toda pressa, quedam-se certas.

Do mesmo modo que sempre haverá vaquinhas para as colinas,
o homem interiorano me habita mudo

com olhar atento aos mundo que me é extremamente (des)importante...

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Tango

O tango é um beijo apaixonado
que escorre demorado
como gota de saliva, 
como gota de suor.

É o silêncio enamorado, calado em movimento
falando do tormento de morrer amando,
de viver se dando
cada passo, uma pisada de esquecimento.

Tango é mais que sentimento:
explode da alma o sofrimento
e faz dança.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Media luna



No lo sé...
Paso por bodegas desconocidas y me siento cerca de recuerdos ancestrales...

La media luna que desayuno también me alumbra la noche.

No soy hombre de palabra,
porque se me ocurren varias...

Soy poeta que sueña cuando se levanta!