(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Do ano que se pede

Viram-se páginas, com a grafia ainda úmida. E correm tantas pendências, tantas promessas e esperas inevitáveis. O que se quer, se espera? É sempre alegria realizada. Ninguém pede tristeza, porque essa vem sem convite. Alegria é cerimoniosa, pressupõe tantos rituais. O que não se deseja, então? Tristeza, que nos brote, assim, sem causa. Um castigo, sem motivo, por azar. Alegria que nos enche, expande, exalta. Polaridade positiva extremada. Picos elevados, altitudes viris, alpinistas nos portamos. A tristeza nos afunda, submete a águas turvas, ao exercício sem fim das braçadas ou do disfarce. De que serve a tristeza? Nada, diriam muitos. Ensinamento, diriam outros. Mas tristeza não é, por fim, nada ou didática, é só tristeza, que nos embebeda, dá letra ao samba, e expõe os nervos. Tristeza, dos goles amargos, que serão inevitavelmente brindados. Mas abre o dia, a alegria! E o que se quer é luminosidade. Repele essa negatividade, que nos arrasa a vontade e o ego. Então o que se alegra é o ego? Talvez melhor querê-las em pacote, eis que siamesas. Ou querer coisa alguma, ser mais esperto. Pois a vida nos permite essa ausência pacífica.

Idiossincrático número dois

Minha angústia faminta
Devoradora de certezas
Desde infância: “quê faz estrela pairar no bréu?”
Agora os medos adultos inerentes.

E a resposta não vem, não vem.
quando se quer, agora!
E quando chega, atrasada.
Ah, sem-valia, ilustrativa.

Angústia inefável
Faz-me pequenininho quando a sinto
Gigante, depois da catarse:
vítima dessa tormenta gravíssima.

Não rogo que as incertezas partam
Nem que seja poupado dessa quadratura cruel de plutão
Sou que sou, ao meu tempo:
Uma viga que se me sustenta,
ou hipótese existencial.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Poema remexido

Sinto saudade dos medos inéditos da infância
E das pulsações desbravadoras também.
Os ares gelados, granizo na grama, aroma de chuva.
O arder de subverter leis desconhecidas.
Todas as coisas tão verdes...

No verão, o canto da cigarra libertava.
A mata era plenitude.
O céu, amplidão infinitamente desconhecida,
Instigava noite-e-dia
Àquela alma recém-concebida.

Depois, adulto: os cheiros, os ares tornam-se insuportavelmente iguais.
Todas as coisas, mudas.
Nada replanta, brota, vinga, floresce.
Lembrança é coisa seca...

E eis que surge o vazio:
a construção feita, as certezas sobre a mesa, tudo arrumadinho...
Mas só se sente verdadeiramente repleto quando há um mundo inteiro de coisas por se inventar, dar nome, quebrar e erguer de novo.
Tudo pronto é tão oco...

domingo, 21 de dezembro de 2008

Pú-ta-kill-pá-ril

Nos momentos de raiva
de tocar zabumba
de cabeça, na parede
diga, convicto, mantra:

"pú-ta-kill-pá-ril"

[respire fundo, contando 4
segure ar, contando 4
solte ar, contando 4
segure sem ar, contando 4]

A gente, então, transcende
a parede, com sutileza:
senhor dos impulsos mais primitivos!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Versos-solos

Belos versos sem par
Fruto dum lero-lero
Dançam solos
Esquecidos

Versos de classificado
Sempre à procura
Tortuosa
Daquilo que não são

“Procura-se uma namorada
Sensata
Que conheça métrica
e remissão”

“Procura-se um poeta
Vasta experiência de cortejos
e galanteios
com desinibição”

[Versos-singles
Enquanto sonham nas gavetas por encontros
rendo-lhes toda imaginação]

sábado, 13 de dezembro de 2008

Je trouve la rose

Petit Prince, Rodolpho Saraiva

Em dias nublados
Espero que fulgures
Mesmo o perigo dessa vereda,
com placas de toda advertência.

-Je cherche la rose...

Princípio vil:
tua ausência me arrebata o sentido
teu silêncio me escurece alma,
meus pés padecem nessas fendas mórbidas.

Mas há o feixe, que anuncia:
“É dia!”
E traz tantas convicções mais brandas,
aporta a rima.

São multicores,
miríades
que nem me importam.
É o teu rouge que desponta!

-Je trouve la rose!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ninpheas

Nynphéas, Claude Monet

É bom ser feito planta-aquática
levado a marejo que inexiste
ser flor intangível
ninféia impressionista
esquecida na paisagem.

Apnéia

Pool, Rodolpho Saraiva

sem ar
não se aguenta
debaixo d´água
se sufoca

tanto ar
e me sufoco
só se aguenta
debaixo d´água

E sobem borbulhinhas do que fui
antes de me afogar.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mareamos

Imagem do Google


Você oscila: marola!
E a gente se ama sobre as tuas ondas
No meu mar de descontentamento

E me brinca:
-Pra que águas remotas?
Todo encanto sucede uma incerteza!

Ao léu dessas falsetas
Vivo imerso
No esforço apneico
de profundezas.

Hoje aprendi te amar:
Ora escafandrista,
Ora teu surfista
E sigo com a boca carregada do teu sal.

Sastre

Gosto do impacto de conformidade
que a poesia traz
no seu encaixe perfeito:
Modismo e invenção!

Traje de talha única
Que toda gente prova defronte o espelho
Mede aqui, aculá
Então... veste!

Bom poeta faz moda prêt-à-porter
Que se cabe sem ajuste
Para que todos se vistam
Dos mais vulgares sentimentos

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Folhas secas de qualquer lembrança

As pessoas eram varridas
Feito folhas.
-Secas de qualquer lembrança.

A herança era doída,
Ferida:
remota cicatriz.

Pretérito imperfeito
Pois, em verdade, não passa:
-É tudo ficção dos ponteiros!

Olvido nos esquece.
De tudo que se resta:
uma prece.