(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

Cecília Meireles

 



Interlúdio

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.
Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.
Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.
Fico ao teu lado.


Comunicação
Pequena lagartixa branca, ó noiva brusca dos ladrilhos! sobe à minha mesa, descansa, debruça-te em meus calmos livros. Ouve comigo a voz dos poetas que agora não dizem mais nada, – e diziam coisas tão belas! – ó ídolo de cinza e prata! Ó breve deusa de silêncio que na face da noite corres como a dor pelo pensamento, – e sozinha miras e foges. Pequena lagartixa – vinda para quê? – pousa em mim teus olhos. Quero contemplar tua vida, a repetição dos teus mortos. Como os poetas que já cantaram, e que já ninguém mais escuta, eu sou também a sombra vaga de alguma interminável música. Pára em meu coração deserto! Deixa que te ame, ó alheia, ó esquiva… Sobre a torrente do universo, nas pontes frágeis da poesia.

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