(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Temporão

La persistência de la memoria, Dalí


O tempo sempre me chegou tarde;
depois da hora esperada.

Os segundos me seguem ao calcanhar...
mordiscando.
É aquilo: 
às vezes, tropeço no futuro.

O passado me custa a passar
sinto ponteiros ressentidos
de um tempo que quer ficar.

Sou temporão, atrasado:
cheguei bem à tardinha
quando o sol se punha de mansinho.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Segunda-feira

A segunda-feira é cinza. 

É o dia em que chove, após meses de estiagem.

(cinemas vazios e ingressos promocionais,
casais que não namoram,
movimento sem vontade,
a rotina que nem se sabe por quê,
quase nenhum acontecimento)

Segunda-feira é outono:
fazendo-me desfolhado.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O riso do Marido

O Marido já foi moleque que planejou micaretas, raves e afins; mas hoje ostenta uma aliança de ouro dezoito, comprada em bom preço. Nos nomes gravados, o Marido se recorda de tudo: da festa, da escolha dos padrinhos, do buffet, do vídeo de casamento...

A aliança é o signo de uma nova era. Para trás, fica um sujeito errante, de noites bêbadas e exageros com mulheres, que não cria em nada que se parecesse amor, até que chegasse Ela.

Ela, aquela, diferente de todas -ou igual às outras, em tempo diverso- a noiva é acessório de uma tragédia épica, que culmina no altar.

Hoje o Marido ri de si, ri dos outros, imagina a festa infantil com cachorro-quente, e autoriza-se, vem em quando, um reencontro com cerveja e amigos.

O Marido está transformado, sua marca é esse riso anasalado, de auto-escárnio. 

Quando ri, mesmo que não portasse aliança, todos saberiam tratar-se de um Marido.