(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

antiquário

cousas antiquadas, Rudolph Junger


sobre o que é antiquado
já não se senta a presença

a ausência está posta sobre a mesa

quem já cenou aqui?
quais eram os assuntos e dramas familiares?
com o que sonhavam?

os ecos no jacarandá respondem quase mudos

o brasão do império, a bailarina de porcelana, o vaso chinês, a luminária art noveau, o candelabro, a cristaleira, o jogo de taças, a prataria, a caixinha de música, os quadro de casas coloniais prestam valiosas lições de tempo:

-a objetiva serventia das cousas
-a perecividade dos sujeitos

à margem da inutilidade
as relíquias ordinárias 
soam mais prestativas
dedicando horas à essa ignorada museologia

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

habeas corpus

Cais, Rudolph Junger

a liberdade da tarde
acaricia meu rosto

defronte ao prédio da Justiça

defiro alvará de soltura à palavra

antes do fim do expediente
antes que anoiteça

derradeiramente
à revelia de águas mortas
chegam-me versos engarrafados no cais da Praça XV

transição

down_town, Rudolph Junger


no olho do Centro da cidade
caminho em retrospectiva
faculdade ali, aculá estágio
na travessa a igreja Nossa Senhora do Parto, que geriu tantas intenções de êxito

nessa segunda-feira quente e dispersa
ouço, apesar de tantos ônibus, o vento arranhando folhas
e alguns passarinhos também

no mais alto prédio da Av. Almirante Barroso o sol de verão explode nas janelas
passeando em panorama, piso em sinestesias
a calçada onde pisou Dom João, segui eu garoto, pousou o passante
e tateio tudo isso agora
na ponta dos pés
sinto pontas agudas de trajetórias

enquanto isso, o relógio marca 40 graus e os minutos deste ano se exaurem

sou levado ao peso das promessas
ao crivo dos erros, acertos, perdas e ganhos
sou levado a me olhar, com barba ou sem, com cabelo neste ou noutro corte

enquanto isso as janelas do alto prédio trincam ao calor do ocaso

um arrebol tremendo mancha a cara dos passantes, como se estivessem todos iluminados

estão todos puros
restou tudo claro

uma força se pondo em algum lugar
cujo resquício esverdeia esperança

há milhões de esperas
silenciosamente gravadas nessas caras passadas
nelas, me vejo

dormitando a angústia súbita do novo
sobre fulgaz leito de pertencimento

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

toada

Imagem do Google

nesse silêncio louco e absurdo
espero ouvir o que me fale
como jagunço de lança empunhada
extorquindo a declaração amada

-não
quero não
não isso-

quero só
uma boa toada
ou quase nada:

a sem razão do meu lado
sorrindo do meu riso

não me venha com lichias

não me venhas com
lichias
léxicas
líticas

quero que vejas
-as desimportâncias
na calçada
-o passarinho solista na árvore de concreto
-o velho baioneiro ao desdém dos passantes
-a cor das frutas à porta da velha quitanda
-a derradeira brisa avisando chuva

com aquela
Ela
hei de flanar de mãos dadas
a desrumo

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

moedeiro

não ter hora de acordar
ainda que o corpo
-escravo da rotina-
insista em ser pontual

domingo, 11 de dezembro de 2016

Paulo de Frontin

as janelas olhando viadutos
guardam casas com a tv ligada
mesa posta e promessas de natal

essas janelas não cansam com a falta de paisagem
por décadas, fiam-se em carros entrando no túnel
desde Paulinho menino e agora seu neto

o mundo mudou em volta
mas as janelas fitam a mesma esperança:
a intangível Guanabara

domingo, 4 de dezembro de 2016

croquete de botequim

sinto sim
simplório sentimento
de insólito argumento
que minh' atenção irreleva

ao qual porém me rendo

um coisa assim
tipo croquete de botequim

com_tudo

com tudo
contudo
algo esparsa

catarse suspensa na atmosfera da tarde



falaria todas as coisas
não ditas
cogitaria canções guardadas
e acontecimentos bem ordinários

falaria sobretudo o que não aconteceu
e que deixou de ser
no átimo passado

copiosamente diria todo desconsolo que assola
à sola dos pés
em cada passo vagueando
um caminho

contaria essa catarse suspensa
na atmosfera serena da tarde
que sob a chuva
teima falar-me

sábado, 3 de dezembro de 2016

lei de Hooke



quando me afasto de mim
reafirmo quem sou:
feito elástico
volto mais intenso ao ponto
partido

sábado, 19 de novembro de 2016

rarefação


ZS, Rudolph Junger

raro efeito:
o rarefeito 
m'enche o peito 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

entretantas

entretantas
depois das tantas
restou silenciosamente

Ela
-veneno ao antídoto do veneno
-irremediável sequela
-fuga em que me encontrei

suspiração

além de nós
do outro lado da manhã
depois de toda aquela montanha

alguma ideia vagueia
à sombra

mas por aqui nem vento chega

só assobio leve:
mote, que inspira e solta

sábado, 22 de outubro de 2016

calendoscópicos

teus olhos alhures
trazem paisagem longe
um relevo exótico
e centena de ondas

sábado, 15 de outubro de 2016

Casa & Vídeo

Quando entro na Casa & Vídeo, me lembro da minha avó. Da alegria que tinha ao encontrar soluções para o lar; do fetiche por eletrodomésticos, relógios e panelas. Lembro da alegria consumista dela, comprando sempre mais que o necessário, inclusive barras de chocolate.  As cafeteiras na prateleira me lembram minha avó.  As frigideiras também.  As escadas de alumínio ainda mais: o auge de sua mania de limpeza era limpar vidros e janelas, pendurada do décimo andar da Avenida Copacabana. 

sábado, 1 de outubro de 2016

remanso


ao pé do uivo do vento
tudo dorme ao relento
beirando esquecimento

do alto da palmeira mais alta pousa meu pensamento:

ave
apenas
as penas
me voam

sábado, 24 de setembro de 2016

papo-reto

teu papo reto
é um ponto fora
da minha curva

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

netuno sete

netuno é planeta longe
na casa 7
é bola 7
na caçapa do meio

feito o amor:
satélite intangível
longe-perto
na tarde do arpoador

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

zetético

O beijo, Pablo Picasso

pouco além da estética
brincamos com a zetética
em tudo que nos amola

nossos dilemas não são problemas
o que nos inquieta adormece ao abraço:
tempo em que as interrogações se alongam, exclamativas

então, te adoço com metáforas
remediando a acre rotina dos dias

sábado, 6 de agosto de 2016

por um fio

Après le bain, Degas


nem tudo finda
finalmente, depois do fim
resta sempre algum fio
afiado
no chão do apartamento, no canto intangível da cômoda

aquele fio
entre cio e perda
entre fiança e obliteração

eis o fio de cabelo

enfim, varrido a fio

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

metamor

o amor é história nossa

amamos a ideia de amar o conceito plano
sobre o qual terraplanamos
fazemos a casa
e nosso jardim

repletos de intensas intenções
ninguém que se meta em nossa meta,
rumo a algo além

tudo se resume tão simples, quando dizes:
metamor

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

às de espadas

Imagem do Google


meus versos arranham a rima
          ao largo do meu sonho

e no vazio oponho
              a espada de esgrima

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Olympic Games

aquém do record
espirituoso olímpico
amador em várias modalidades:

tantos segundos serão perdidos
sem ouro, pedirei socorro à beira da chegada

porém corro
em marcha-atleta
em busca da linha imaginada

não serei vencido ou perdido
sigo jogando o jogo

segunda-feira, 25 de julho de 2016

fio-do-horizonte

além das persianas, Rodolpho Junger



embora edifícios não abriguem sonhos
falte imaginação no apartamento
e as paredes sejam vigas, cimento e concreto

através da janela segue eterno o horizonte:
aquela linha tênue e branca 
fio de coser nossa infinita esperança

sábado, 23 de julho de 2016

erro ao acerto

tínhamos, desde o começo
tantos erros e desafinos
mas algo bom tramava

arrebatamos o acerto
único, que nos valeu

no pequeno tento havia todo sentido que nos prendeu...

dali em diante talvez fôssemos mais nada
fossemos nunca
tomássemos estrada

o impossível nos fitava

mas a metáfora boa restava:
o erro foi acerto

ao teu lado

me inspira o respiro
do teu sono
entro e saio do teu sonho

domingo, 17 de julho de 2016

leque de opções

o leque é alento
espalha ardor
provoca vento

o leque é alento
o leque é alento

quinta-feira, 14 de julho de 2016

telepresença

Nightwaks, Edward Hopper



tenho tua falta:
a presença ausente que m’amola
resquício de te pesar o ísquio
brisa prosa de saudade
       que me espalha
                     o outono, o verso, o senso, a rosa

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Bauman

amores líquidos
ou amores em liquidação?

amores líquidos

os amores líquidos
brindavam
bebiam
suavam
fluíam
deslizavam
escorriam
e ao fim, diuréticos,
foram absolutamente expelidos pelos organismos

o destino é blague

Imagem do Google
o destino é blague

o fisgo do enlace
desata ao primeiro desatino

por um fio 
de um fiasco
desafia a faísca

quinta-feira, 7 de julho de 2016

feuilles mortes

Feuilles Mortes around Hyde Park, por Rodolpho Saraiva


lá fora
os dias levam ao sabor da brisa

mas dentro,
esse tempo lento
sinto vento
espalhando o alento das memórias

quarta-feira, 6 de julho de 2016

sentido-sem-título

o anônimo ânimo
é antônimo da metapalavra,
silenciosa metáfora
em cores ausentes

sexta-feira, 24 de junho de 2016

theodora

ela não vinha dos livros de poesia
theodora tinha hora
ou todas as horas
era dona dos minutos

*

não se adora theodora
teadorar é lirismo

theodora desconhecia lirismo

quinta-feira, 23 de junho de 2016

córtex frontal

liberdade é palavra de pronúncia aberta
cujo ronar do r faz rasgar os grilhões da carne

liberdade não avisa que chega ou vai
segue seus designos telepáticos
al-di-la

nem tudo está escrito
o melhor ainda será dito
e virá do córtex frontal

prolapso mitral

Imagem do Google


meu coração regurgita levemente 
tantas vezes por segundo 
circulam em mim, supravalvares
sentimentos que não me cabem


sábado, 18 de junho de 2016

elevado de Botafogo

o elevado que de minha avó via a baía
é o mesmo à janela de onde hoje me perdia

era eu guri
e logo bem do lado, eu homem
com mesmos olhos de guri
como se ainda fosse ontem

dèjá vu
eu bem vi
de novo
o elevado de Botafogo

quarta-feira, 15 de junho de 2016

novacap

BSB view, por Rodolpho Saraiva


sob o céu amplo e árido do planalto
cabe um Brasil inteiro
sobre o horizonte reto-arquiteto de Brasília
mora um futuro que ainda não chegou

terça-feira, 14 de junho de 2016

lentes multifocais

Queria descrever tudo o que sinto. Talvez seja essa minha maior ambição em vida: traduzir a percepção íntima do mundo em construção minimamente concatenada. Se puder rimar, melhor ainda! Olho a cidade cheia de carros, andantes, ruas, calçadas, prédios. Por dentro, também enxergo esse trânsito, subo e desço andares e atravesso vias movimentadas. Tudo que há fora há dentro, em reflexo. Entre essas duas realidades, sinto-me uma película fina, um ponto tênue entre o que vejo e o que sinto. Um ponto de equilíbrio, sobre assentam duas realidades. Realidades que alternam átimos de regência, como fizessem uma gangorra. Em movimentos pendulares, ganham evidência pelos ares que adentram e saem. São ida e vinda, uma incansável alternância de olhares, mirando longe e perto. Diante dessas realidades, que seria de mim, então, sem minhas lentes multifocais?

domingo, 12 de junho de 2016

rendez-vous

amor bate na porta
quando chegar a hora
amor, bate na porta
antes de entrar

amor bate, na porta:
é tempo de gongar

sexta-feira, 10 de junho de 2016

barely legal

o poema arrisca o ilícito
ao arrepio das leis fundamentais 

experimenta dizer o indizível
gritar o silêncio até que ninguém possa escutar

suave na nave

Imagem do Google, do filme "E la nave va"

leve
o leve
no ultraleve

segunda-feira, 6 de junho de 2016

perguntas responsivas, interrogativas respostas

misturo perguntas e respostas

até confundi-las

e não saber onde começa uma e termina outra
(nem onde começo e termino)

misturo todas elas para que sejam 

perguntas responsivas, interrogativas respostas 

sofisma

existe resposta
antes de perguntar
a pergunta?

existe pergunta
antes de responder
a resposta?

antologia

misturo poesias e mulheres
até confundi-las

e não saber onde começa uma e termina outra
(nem onde começo e termino)

misturo todas elas para que sejam uma 

antologia

a cidade ruidosa

além-janela, orquestram ruídos:

- que desespero trará a ambulância?
- qual o gosto da pamonha da carrocinha?
- que emergência anuncia a sirene de polícia?
- que dia viveu o motorista da incansável buzina?
- que amor falará o último telefonema?

...

a cidade ruidosa esconde silêncios e respostas.

sábado, 4 de junho de 2016

des(apego)

Imagem do Google


o apego não me pega
ouso brincar de ser livre
desapegando do que me apega
até desapegar do desapego
então apegar de novo
para aí voltar a (des)apegar

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Linha 2

há dois leitos no Rio:

um vive de sonho
outro, de realidade

um anda por dentro
outro por fora

um anda vazio
outro lo-ta-do

o brinco

o brinco esquecido
era elo de lembrança
entre minha língua
e tua orelha

rumo

não há rum nem rumo
que arrume a vida

então, em passos de rumba
a gente se apruma 

o corpo vai e a alma fica

meu verso em rima rica
você se joga e não estica
falta amor mas você suplica

o corpo vai e a alma fica
o corpo vai e a alma fica
o corpo vai e a alma fica

segunda-feira, 30 de maio de 2016

destempo



não antecipes a hora de partida
tudo esvai a destempo um belo dia
sem anúncio, todo o mundo será despedida
só então, so long, te diria

domingo, 22 de maio de 2016

estrangeirismos

estrangeirismos estranhos no zigue-zague de Copacabana
como se fosse eu forasteiro
como se hoje conhecesse a praia
como se fosse inaudível o meu idioma

as minhas centelhas se rebelaram

meu lugar não cabe no grão dessa areia
lá em cima chamam lua e estrela
lá em frente há o mar de Portugal

alguma coisa aqui não tem residência
há pensamentos sem sintaxe
e vozes calando silêncios atávicos

Lua e crua

A Lua cansou de passar despercebida. Pôs-se tão amarela, quase vermelha: todo esforço para ganhar atenção. Nem ligou se o jogo de vôlei seria mais importante. Ou se o casal não tivesse tempo para largar o beijo. Ou se os corredores tinham pressa. Ou se o ciclista pensava nos balancetes da semana. Na verdade, a Lua se aprumou só para ela, como se ousasse o vestido mais bonito.

As poucas testemunhas puderam notar esse átimo de vaidade lunar.

Então, uma nuvem negra fechou-lhe o provador.

mundo in_mundo

mundo louco
ganha quem não
primeiro cair no chão

barato viver feito cão
ousando ser o melhor amigo do homem
e diante da padaria
assistir televisão

mundo cão de latidos
uivos sustenidos são o ponto alto da diversão
não pensar pode parecer meditar
mas é puro nonsense

os cães ainda são lobos uivantes
domesticados a cagar na rua
com seus donos recolhendo resignação

o cão, irmão, é o lobo do homem

sábado, 7 de maio de 2016

pontualidade

sou pontual feito um paulista
ando preparado à hora
mais rush, mais crush, mais absurda

sexta-feira, 6 de maio de 2016

inter_calado

Imagem do Google


as vozes do meu silêncio
intercalam coragem e medo

são caladas calejadas
notas nos varais

nós nas cordas vocais

Tokyo skytree

em tantas milhões luzes kamikazes
pisca o último átimo à eternidade

as milhões de velas acesas por Hiroshima
também anunciam o lançamento da robótica

enquanto o sol não nasce
38 milhões de vozes
falam luzes

luzes da árvore celeste de Tóquio

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Ryon-Ji

Ryon-Ji, por Rodolpho Saraiva


o jardim d'oriente desorienta
meu olhar ocidental

sobre cascalhos
catorze rochas
e uma invisível -
a impossível completude

segunda-feira, 18 de abril de 2016

samba-sol

o sol se pondo
(no Japão)
imediatamente amanhece
(no Rio)

o sol é uma nota só
de um samba bom
que toca aqui e aculá

sakura

Ryon-Ji, por Rodolpho Saraiva


as flores afiadas
se espadas fossem
rasgariam de pétalas
o chão desta primavera

sóis


sóis poentes poemas
que ao ocaso morrem
no Japão

sóis imediatamente
(e não por acaso)
poemas nascentes

no morro dois irmãos

sábado, 9 de abril de 2016

heliocêntrico

atravessando o mundo, revejo a primavera
além de todos os hemisférios
brotam silenciosas certezas
alheias às impermanências mais faceiras:

todo tempo será flores
o sol nunca se põe

todas as épocas serão cerejeiras

terça-feira, 5 de abril de 2016

esperançosas

Imagem do Google


as esperadas esperas
esperam
esperançosas
que algo aconteça

domingo, 3 de abril de 2016

gata



noites a fio
afinei o fino
da tua miada

quarta-feira, 30 de março de 2016

tão igual

o mesmo Arpex
o mesmo café no Lage
o mesmo bonde em Santa

todas as selfies são retalhos de um mesmo retrato
tão igual
como todas as loiras alisadas com luzes
que não acendem no escuro

as ideias são mesmas
aglutinadas em uma hashtag

todas as coisas tão iguais
na sociedade de consumo em massa

domingo, 27 de março de 2016

tô-tal-lógico

Imagem do Google













lembro quando colhia flores na calçada
e entregava meu primeiro poema

tanto dizia que não me encontrava
em coisas tais tão lógicas
algumas tautológicas
outras táteis e ilógicas

lembro-me total fora de órbita
com versos cadentes em minha direção

sábado, 26 de março de 2016

catarse da raiva

para que fosse bem vingada
a raiva faria jus a pedrada
ou cusparada
(quiçá bola-de-lama-bem-projetada)

agora já não cabem coisas de criança 
ficamos cheios de trato 
e sem válvulas que escapam
levamos as pedrinhas acumuladas no bolso

talvez seja raiva a "ética da sobrevivência"...

avessa à estética
encerra em si mesma
sem qualquer grandeza
sem qualquer lição
alguma justeza


poema do amante temeroso (2006)

teu sorriso tem a força 
de uma mulher madura
que chega a causar espanto na gente 
quando se abre

mas ao se fechar, 
repleta uma meninice
que acalma
e dissipa o primeiro medo

sexta-feira, 25 de março de 2016

Urca

Urca, Rodolpho Saraiva




















a palavra a ser dita
é bondinho
entre os morros da Urca

o silêncio é paisagem
longe

de onde
vai subindo a palavra
que fala à vontade
fala da vontade

de nosso assunto-panorama

quinta-feira, 24 de março de 2016

sob a lua de Botafogo

os anos passaram em segundos
os casarões testemunharam
anáguas e minissaias
esperas de luas
e luas em espera

segunda-feira, 21 de março de 2016

21 de março - dia internacional da poesia

seria o meu destino:
ainda que não nascesse poeta
poesia nasceria em mim

terça-feira, 15 de março de 2016

passagem


Imagem do Google













o mundo venta e arrasta
o que não encontra seu lugar
tudo vai embora inaudito
quando não sabe ficar

terça-feira, 8 de março de 2016

aMUS(A)ement

Imagem do Google













a musa recusa a difusa escusa de que é deusa
aparafusa a blusa
profusa sua hipotenusa
ousa a medusa
então, obtusa a pausa reclusa

hiato

Imagem do Google













mesmo que adie adiante
dia haverá
diante
da espera
do amanhã -
tempo de outro adiamento será

forçosamente

Circling around, by Puuung



vamos fazer o que todo mundo faz?
fila de supermercado?
pipoca-combo?
álbum de retratos?
vídeos?
e curtir fatos triviais?

vamos ser comuns
e passar despercebidos
e incomumente ser percebidos
sem notar?

vamos ver filme sem graça
e seriado americano até cansar
brincar do que somos
do que não somos
e até do que poderíamos ser?

vamos rir dos enganos
dos filhos não tidos
e dos artistas que poderiam ser?

vamos ser
nós
mesmo
e não desatar?

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

todotempo

prelúdio
interlúdio
e pós-lúdico

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

arietino

Imagem do Google


nasci sob o signo
que se parece ao meu destino
às vezes rumo, outras desatino
insisto em coisas de menino
e se do sonho declino
é poema que maquino
é liberdade que motino

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

assediante

Rodofo Valentino, imagem do Google
a palavra
assedia
insidiosa
alicia
maliciosa
incendeia
deliciosa
beija

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

harassment haikai

if you feel
then say
fiu fiu

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

eudaimonia

atento à realidade
agora
aqui dentro
vivo presente

desimporta sol ou nuvem
o tempo me cabe
sem regresso nem apresso

o liberto ponteiro degusta a hora
enquanto matura
o expiro
 
sem suspiro
trago ao mundo
o que é seu 
de volta

pós-tiço

teu sorriso é postiço
chega pela frente
sai pelos fundos

sequer deixa a brasa de um riso

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

meu mar

há dias em que minhas iscas fisgam peixes-espada
noutros, o mar não está pra peixe
entender minhas marés, cheias e ondas
é a grã tarefa da existência 

no raso, o mar é o que há de mais vulnerável

profundamente, é princípio do verso:
nas águas mais abissais nasce a verdade translúcida
a poesia nua, nadante e absurda
quando lá se consegue mergulhar

domingo, 14 de fevereiro de 2016

interstício

Imagem do Google


o princípio continuava o fim
o sentimento seria outro
ou talvez ainda fosse
a roupa esquecida na gaveta
vestida para prosseguir a boda

as mãos seguiam macias
mas as bocas estranhas
não sabiam explicar os novos trânsitos:

o que aconteceu?
quando ia pousar
o céu arremeteu.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Simbologia

Imagem do Google
de miligramas
formam um pentagrama
que não entendo 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

o ovo ou a galinha

Mosaico de Pompéia, Museu de Nápoles, por Rodolpho Saraiva


veio antes o afeto
ou o nu-sexo
e, então, o nexo?

seria o afeto
uma continuação do sexo
como esse também seria
um abraço profundo?

ou dilema complexo
sobre o ovo ou a galinha
que nem nos deveria
inquietar o plexo?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

carnaval

não sei porque
continuo pensando na vida
da janela vejo foliões passando
carregados de urgência e euforia
a vida passa da janela
dentro e fora do apartamento
e dentro do peito também passa tanta coisa
lembro do futuro do pretérito
do tempo sem remédio
do bloco que já passou
mais um carnaval, mais um dia
mais e menos expectativas
tudo é urgente agora
mas daqui a pouco, pode esperar
dentro do apartamento há sentimento
há amor à espera, amor que restou
dentro do peito há mantimento
apesar da fome desoladora
o amor é isso tudo
é urgência, fome, euforia, carnaval
e passa
o amor já passou pela rua
desfilou como se fosse bloco
e enquanto durou o amor, alguém se amou
amou tanto até que o bloco acabou

carnaval

não sei porque
continuo pensando na vida
da janela vejo foliões passando
carregados de urgência e euforia
a vida passa da janela
dentro e fora do apartamento
e dentro do peito também passa tanta coisa
lembro do futuro do pretérito
do tempo sem remédio
do bloco que já passou
mais um carnaval, mais um dia
mais e menos expectativas
tudo é urgente agora
mas daqui a pouco, pode esperar
dentro do apartamento há sentimento
há amor à espera, amor que restou
dentro do peito há mantimento
apesar da fome desoladora
o amor é isso tudo
é urgência, fome, euforia, carnaval
e passa
o amor já passou pela rua
desfilou como se fosse bloco
e enquanto durou o amor, alguém se amou
amou tanto até que o bloco acabou

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

atravessando a ponte

depois do Rio
esperava margem
mas encontrei desvario
a ponte que partiu
conduziu ao caminho sem volta
o que soul?
como se sempre
fosse
e assim
deixei de ser
o que pretendia

aparências

Arlecchino e Colombina, Umberto Brunelleschi
aparentemente
aparentamos
aparências
eloquentes
as quais
profundamente
invejam
uma verdade

ostentação

nessa ciranda de ostentação
eu também quero girar
quero ter o sorriso mais branco
o melhor amor
o emprego-vocação

quero ter
tudo aquilo
que alguém
possa ver

ainda que com isso
minha minúscula felicidade
seja tão imperceptível
que já nem me importe

sábado, 30 de janeiro de 2016

s.m.j.

salvo o melhor
juízo
o melhor do meu juízo
é meu juízo salvo
s.m.j.
ou melhor,
salvo-juízo

desapego do poema

o poema me tem pena
de me voar
o poema não quer
nem eu, que se vá

poema não é meloso
porém, medroso
como eu:
não quero desapegar

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

quimerda

a quimera, quisera
antes fosse
encontro

é fome
que mata e morre com tédio

está além de nós
no pós-horizonte

é um arco-íris

realismo trópico
ou seria
psicotrópico?

domingo, 24 de janeiro de 2016

além do óbvio

não está nos sóis
(depois do ocaso existe lua)
nem no balanço inefável das ondas
(as lentas marés é que beijam a proa)

o sentido não está no óbvio
olho-no-olho
mas além dele:
nada a ver

por nada
nadar
no nada

descarte

descartar
sem pesar
pensando em canastra
não é descarte;
é bom jogo

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

tons que não são

loira-morena
ou morena-loira
ex-morena que um dia foi loira
loira de raios obscuros
ou morena de frios luminosos?
o que será dessas cores
que beiram horrores
nesse pêlo cansado de tintas
desbotados tons que nunca serão teus
e desatinam a retina
até caírem na rotina
desmorando a ruína
desse espectro apagado 

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

poeta aos quarenta


pra ser poeta aos quarenta
não basta coragem
é preciso ser herói
pra não se cortar com a fina flor
ou com a branca folha

é preciso ser herói
e encarar a solidão sem medo
selar essa égua desembestada
e chamá-la "solitude"

domingo, 17 de janeiro de 2016

verde-esperança

tudo verde:
a espera se lança
em esperança

o que poderia acontecer
prefere rimar

tupi or not tupi

tímido não
remoto
me escondo em alguma mata
próxima
lá passo o dia
quando escurece, volto pra casa

tímido não
talvez índio
duvido da civilização
confio na realidade da copa das árvores

sábado, 16 de janeiro de 2016

onda

a onda não tem ida nem vinda
nunca fica
nunca espera
a onda é uma intenção do mar

redentor

estou redimido
pelo redentor
o meu cansaço
pede abraço

semântica

Imagem do Google

dentro da palavra
cabem frases enormes
vários sentidos
ou todo vazio

a palavra é casa

onde me habito
onde me deito
onde me durmo
onde me sonho

sábado, 9 de janeiro de 2016

áudio-memória

do alto dos meu 188
da mais lúdica ignorância
amoleço memórias
com a música ruidosa
da rádio do apartamento vizinho

depois de tantos anos
a música me toca
as mesmas notas
no coração

sábado, 2 de janeiro de 2016

cinema mudo

deixamos o diálogo
e como antigamente
tratamos por gestos
fazemos parecer
o que se queria dizer