o calo do meu silencio não me amola
o desconforto é meu alento
há, lento, um tempo que me afaga
poesia não é
sentido disfarçado
ou escárnio adulado
poesia adentra aqui à lua boa
sem seresta, pela fresta
raia ocasional o fim do dia
todas as retas me deixariam em casa em tempo recorde
sem estrada, retenção ou engarrafamento
o curto espaço-tempo trabalho-casa é o belo trunfo que ostento à essa altura
mas no fundo o desrumo é mais acolhedor
a curva mais longa
que não conduz a ponto algum
é o caminho mais saboroso ao final do dia
em descaminho, espio sorrateiramente o saldo do dia:
a criança voltando da escola
a velhinha namorando a xepa
o torcedores no futebol de botequim
a cara cansada da moça que trabalhou o dia todo e borrou a maquiagem
o motorista apressado ao ponto final
todas as coisas de uma terça-feira no fluxo ordinário de dia-após-dia
sem nada excepcional
repleto de mínimos detalhes incrivelmente desimportantes
as implacáveis águas de março
arrastam as cinzas da última quimera
até os pensamentos sobre o último poema capitulam à enxurrada
trovões berram: é março, é martes, é guerra!
as trombetas do dilúvio preludiam a revolução do sol:
saciada a sede da terra
despontam folhas e flores perfumadas com aroma da chuva