(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)
terça-feira, 27 de maio de 2014
Buzinada
Dr. Raul e Dona Altina se conheceram numa rua do Méier, nos final dos anos trinta. O tio de Raul, próspero comerciante da rua Conde de Bonfim, na Tijuca, dispunha de um coche, raro privilégio para as famílias da época. Volta e meia, especialmente aos Domingos, Raul tomava o veículo emprestado e, às vezes, acompanhado por um amigo, fazia sonoras manobras, em velocidade reduzida, praticamente em primeira marcha, quando se deparava com alguma pequena sestrosa. Altina saía da missa sozinha naquele domingo, pois sua mãe, asmática, optara por comungar pelo rádio. Nesse instante, foi interceptada por uma buzina galante do Ford-bigode. Aquela abordagem, hoje em dia tão ameaçadora (por conta da violência urbana), inaugurou uma comunhão de quarenta e sete anos, frutificada por quatro filhos e dez netos. Dr. Raul e Dona Altina hoje sonham sobrepostos em prateleiras do São João Batista, mas durante todos os anos, nos almoços de família, regozijavam-se daquele encontro.
Césio-137
O poeta tem o dom da sensibilidade;
e aos grandes poderes, grandes responsabilidades
-diria o Homem-Aranha
Suas matérias-primas são elementos radioativos:
angústia, solidão, insegurança.
Sem medo de contágio, trabalha a energia atômica de um poema!
domingo, 25 de maio de 2014
O Eu lírico está nu
O assunto era:
ela
que falava pelos cotovelos
que voava feito cotovia
Mas
quanto mais o eu lírico a pretendesse contar
mais de si próprio versava
e sua nudez realçava
Até que o leitor berrou:
"O Eu lírico está nu!"
-Sim, ninguém pode ser mais nudista que o rei.
A estrela do tempo
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Ghostlover
Amo-te em olhadinhas sutis
em cobiçadinhas pueris
deixando-me tropeçar em tentação
atento a tua desatenção.
Quando te perdes em ti
é que brilha tua beleza
e me ladra uma certeza:
Eu, a noite; tu, a estrela
sou o ghostlover que te assingela
ao pé da cama.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
Luto intermitente
Com quaisquer ela tentava
esquecer-se do grande amor
convencer-se de que não o amava.
(tanto fazia que
até se esquecia
do esquecer)
E o grande amor, então, restava
naqueles caras que despediam-se desde o começo,
na dor emudecida do fim
e no luto intermitente.
sábado, 17 de maio de 2014
Refrão dum samba canção
Saudade
é um pouco de maldade no meu coração
que se desfaz em sete faces
as partes desmedidas da minh'a ilusão
(Bis)
(Bis)
Amador
Escrevedor de poemas como quem não sabe:
Amo a dor,
amadorística
dor com a qual
um dia
sábio
farei alegrias.
Sós de Ipanema
gringos brancos
na área de areia
alvejados pelo sol
alvejantes de brancura
alvejados pelo olhar da negra sereia
à espreita da onda sorrateira
Todos sós, sob o sol
de Ipanema.
terça-feira, 6 de maio de 2014
Na hora H
Na hora agá somos tão frágeis
desnudos e sem disfarces
em amostragens de micromarcas que o tempo deixou.
No bréu da alcova, então, caçamos um no outro
a fenda
onde se possa caber dois minutos
e esquecer, por dois segundos,
a solitária eternidade.
quinta-feira, 1 de maio de 2014
ContráRio
O Rio corre
mas sou contrário:
a todo o movimento
gargalhadas
encontros
bares
namoradas
arpoadores
luzes
luares.
-Ô Rio, sócorre!
Antes que eu me afogue.
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