lábios salientes
e sapientes
de onde calam?
a saída da guanabara entre o morro da urca e a fortaleza de santa cruz é uma boca estreita sussurrando vento frio, falando quase sem querer,
em semi-tom inaudito,
verdades sobre o mundo novo
Minha avó sempre nos comprava panos de prato. Trazia aos montes. Minha mãe sem entender para quê tantos, achava exagero. Hoje, com o pano gasto que enxugo a xícara de chá lembro dessa estória e me dou conta que ninguém mais pensou em comprá-los a desde que minha avó morreu. Ela sabia que isso iria acontecer e preparou o estoque.
é a casa que me habita
não pertenço à cous'alguma
cabe-me o que não tem domínio
e também caibo à nulidade, à amorfia, ao vazio impróprio - que tudo pode ser
esconjuro!
o amor é uma linha
que estica
ao retorno
e se juro que não jurarei
amanhã respondo perjúrio
Copacabana não me engana. Tantos ônibus, vizinhos ruidosos, personagens de todos tipos. O inferno ao céu em poucos andares. Ruas apinhadas de gente. Velhinhas mirando a laser meus calcanhares quando arrisco o Supermercado Mundial. Todos com tanta urgência pelas ruas, rosentando ao sol da manhã que já não bate à janela. Cotidiano crônico e cronista, quase não se abre mais a poesia.
Até que rádio me toca:
"Copacabana esta semana o mar sou eu"
"Estilhaços sobre Copacabana/ O mundo em Copacabana/ Tudo em Copacabana Copacabana"
"Um só lugar para se amar: Copacabana"
E a antologia me abre:
"Olhos verdes, de ondas sem fim./ Por quem jurei de vos possuir, Ai Avatlântica!"
"O preto no banco/ A branca na areia/ O preto no banco /A branca na areia/ Silêncio na praia/ De Copacabana"
Um átimo de poesia. A vizinha do quinto andar manda o reclamante do segundo arrumar o que fazer, que se ocupe da felação com a esposa.
Retoma, então, a crônica reinante.
O livro que não publiquei é minha promessa mais bonita sobre palavras não ditas. Dormita, inocente, na gaveta, como se de mim nada soubesse; mas de tudo sabe!
A vida é muito mais promessa do que acontecimentos. Acontece, por acidente ou acaso, um universo inteiro ou a simplória queda de uma folha.
Mas é a promessa a expressão mais humana, mais intencionalmente lírica.
(Gostaria de fazer uma ode aos planos irrealizáveis)
Potencialmente o livro é livro, mas de fato, não o é. Está cheio de si, continente de mim ou do que me pretendo ser. Mais que confidente: é projetista contundente do meu rumo e desrumo, em tantas (im)possibilidades.
Publicação seria o ato de fazê-lo rebento, vestindo-lhe forma, uma capa eterna.
Enquanto no plano-ideia, segue amorfo, fluído, nuvem na proa do firmamento.
Trazê-lo à tona é quanto pelo ego? Se já me diz tanto respeito, que mais precisa dizer? Deve contar algo a alguém? Seria livro pouco verbal, em verso-mudo? Que não ousa nem murmurar ao folheio das páginas?
A que páginas?
Pois se o campo imateral é tão vasto.
Quiçá seja ele verdadeiramente pretensioso: não quer assumir cara alguma, viver no romance do esquecimento - como se fosse meu tesouro perdido.
um dia que caiba no dia.
que contenha horas suficientes
para ler as notícias
consinta com o espectador de lentos acontecimentos:
o sol se pôs
o ônibus passou
a criança foi a escola
anoiteceu com uma brisa fria
um dia sobejante
além d' outros tantos
intencionalmente desapressado
escreveu com a beleza mais insana que poderia
gastou referências
falou do fim como se soubesse antes
cravou um punhal fazendo sangrar cada letra
e assassinou
na praça da igrejinha onde fui batizado
correu o rio e o tempo
mas o silêncio persiste
feito o gosto de guaraná de garrafa
do botequim vizinho
inédito é apenas o busto do célebre poeta desconhecido:
Olegário Mariano - poeta das cigarras
título que, sem saber, designava-me
quando menino
desde a tarde iluminada na Guanabara
vejo contorno de tuas montanhas
imaginando teus domingos
tanta lembrança estirada naquele jardim!
o sol q'aquece aqui
já não acalanta como o da varanda
- esperançoso e passarinheiro
(morreu em Petrópolis, aos 93 anos)
o mundo segue sem Eloísa Mafalda
com a mesma pressa, com se nunca houvesse novela da Globo
os causídicos engraxam sapatos à porta do foro
os manobristas arranjam espaços intangíveis
os funcionários seguem à serventia
o mundo segue sem Eloísa Mafalda
o trânsito, a política, os negócios, a chuva, o suspiro:
tudo acontece desinteressado ao obituário do jornaleiro.
arredia à correta política,
insidiosa, ela quer que diga sim
bem forte
e segure no braço
sem assédio
a poesia vai simbora
meu mundo é uma palma
com alguns rios e pequenas pontes de madeira
meu destino é atravessá-las
cotidianamente
estrada à pasmaceira. depois de tanto tempo. no miolo do nada. alguma coisa arremete. olhar o céu de novo dá uma puta canseira.
na derradeira hora
do quase-amanhã
aqueço o dia que foi
entrementes
semeia o sol
o silêncio
que som será
A escrita poderia ser esconderijo. Por mais curioso que pareça, em meio às palavras, reina o silêncio. Especialmente no interim das palavras não ditas. O que está por ser dito abriga uma infinidade de acolhimentos: é casa de amplos cômodos.
Os dizeres chovem pela cidade e não há tempo para ouvi-los. Troca-se mensagens em poucos olhares. Não se sabe o que e a quem chega.
já que em instante não podemos cruzar
levo o leve que deixastes no ar
percorrendo teus passos
remontando imagens de tuas últimas flores
verdejante, abdico à madurez
reestreio a sabedoria mais oca das embaúbas
à copa mais elevada pouco importam os últimos acontecimentos de Copa
o vento doce é a notícia mais extraordinária do dia
em cuja suave rajada a borboleta explora um rasante
os primeiros raios do dia se espalham contidos
ontem choveu e as nuvens ficaram
apesar disso, passarinhos se alvoroçam com a certeza de luz
carregam fé reluzente sobre o inocultável
fé que arrebata minhas remotas linhas adormecidas