(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

domingo, 30 de dezembro de 2018

cume

lábios salientes
e sapientes

de onde calam?

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

no seu cool

ser cool é ter hobby novo pro ano que vem
e gostar da banda underground quase não sabida
ter filme preferido que pouca gente viu

ser código aberto
perder-se em plúrimas hashtags
posar ideólogo nos melhores ângulos
comer o broto do quintal
e fazer do cotidiano novelinha de rede social

be cool = wanna be different
be cool = wanna be different
be cool = wanna be different


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

mille tanti

meu lugar de fala é na sala
minha hora é de quem cala
à ditadura do poder não saber

sou sujeito branco homem menino
fardo que me carrego antes de já nem sei
com estigma da ameaça que não fui,
do empático que não serei
ao lugar sem fala querem impor o meu dizer

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

por fim, pelo aterro

o dia descoloria sem vontade
o vento bailava com derradeiros raios solares
a primavera perfumava a ordinária revoada
os reféns da labuta, descrentes, à janela dos coletivos, tomavam pulsantes choques de liberdade

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

acre-doce

tudo se passou em Copacabana
o pai, a avó
o vendedor de quinquilharias
a cantora fracassada da esquina
o inglês, o italiano
o comércio belle époque
e quitinetes art nouveau

tudo continua se passando em Copacabana
como calçadão de ondas 

fábrica incansável de lembranças mais rápidas que os ônibus da Barata Ribeiro
onde a realidade dura estaciona o pé na porta

e, paralelo a isso, velhinhas de cabelo multicolorido se plurificam:
enfim, somos netinhos de Copacabana

sábado, 10 de novembro de 2018

lo que no hay

no me tengas
pues soy lo que te quedas
el vacio que te llena ganas

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

france antarctique

a saída da guanabara entre o morro da urca e a fortaleza de santa cruz é uma boca estreita sussurrando vento frio, falando quase sem querer,
em semi-tom inaudito,
verdades sobre o mundo novo

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

vals sobre las olas

meu amor,
não pensa em problema;
a dança é mesmo desconexa

piso
escrevo
tudo em falso
contigo
a quatro pés

não grite socorro
que não corro

não me vendo
por princípios
e ninguém compraria
meu silêncio
por tostão sequer

se me quer
comprar
não conheça
ao avesso
do que não sou
dizendo sim
insistentemente:

wanna be poeta;
mas a rima não vem
ain't tudo mais aqui

let it be
meta-eu
eu-fórico
metá-fora

aguda agulha que me acupuntura a cervical

dor-sur-dor
degradê
side by side
in_cômodo
(na sala também)
me duelen las espaldas
e transito entre traumas

dim-doim
(alguém batendo na aorta)

eu me uivo
por estepes e montanhas
toda a poesia havida
na senda do meu peito
coisa tão minha
sequer a ser dita

(hoje resolvi porque mercúrio está em peixes)

corajoso é falar, derrota
fácil é cantar, vitória

teus olhos alhures
trazem estilhaços de paisagem longe:
folhas pesantes do sereno
e aquele sol pequeno

ôhaiô,
bom dia
o nascente dirá
maior razão à partida
que ao abraço será

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

aqui e agora

sobre o tempo em que se comiam salgadinhos em festinhas de família
sobre aquele vento que batia à goela e gelava a espinha
sobre o sonho-nuvem que preferia olhar de longe
e o que buscava no fundo da íris e não via

eis a sinopse do meu último segundo

chá das onze

Minha avó sempre nos comprava panos de prato. Trazia aos montes. Minha mãe sem entender para quê tantos, achava exagero. Hoje, com o pano gasto que enxugo a xícara de chá lembro dessa estória e me dou conta que ninguém mais pensou em comprá-los a desde que minha avó morreu. Ela sabia que isso iria acontecer e preparou o estoque.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

despertencimento

é a casa que me habita
não pertenço à cous'alguma
cabe-me o que não tem domínio
e também caibo à nulidade, à amorfia, ao vazio impróprio - que tudo pode ser

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

penha circular

esconjuro!

o amor é uma linha
que estica
ao retorno

e se juro que não jurarei
amanhã respondo perjúrio

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

algures

depois de muito tempo
em algum lugar
até pode ser
que tudo esteja igual

mas por aqui
no engarrafamento dos dias
nada além te diria:
"as coisas mudam"

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Copacabana não me engana. Tantos ônibus, vizinhos ruidosos, personagens de todos tipos. O inferno ao céu em poucos andares. Ruas apinhadas de gente. Velhinhas mirando a laser meus calcanhares quando arrisco o Supermercado Mundial. Todos com tanta urgência pelas ruas, rosentando ao sol da manhã que já não bate à janela. Cotidiano crônico e cronista, quase não se abre mais a poesia.

Até que rádio me toca:

"Copacabana esta semana o mar sou eu"
"Estilhaços sobre Copacabana/ O mundo em Copacabana/ Tudo em Copacabana Copacabana"
"Um só lugar para se amar: Copacabana"

E a antologia me abre:

"Olhos verdes, de ondas sem fim./ Por quem jurei de vos possuir, Ai Avatlântica!"

"O preto no banco/ A branca na areia/ O preto no banco /A branca na areia/ Silêncio na praia/ De Copacabana"

Um átimo de poesia. A vizinha do quinto andar manda o reclamante do segundo arrumar o que fazer, que se ocupe da felação com a esposa.

Retoma, então, a crônica reinante.

orbit

a espreita
entreaberta
no limbo da passagem
é porta estreita
por onde ninguém chega ou sai

sábado, 11 de agosto de 2018

essere

a vida é
por acaso
um acaso
ocasional
e ocaso
que não casa
nem é caso
de qualquer certeza

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

o Cristo está encoberto e,
mediocremente, os ônibus se arrastam
todos comungam o desconforto
contidos em seu estreitos assentos
acentuados ao único sentimento
e eu permeio
imperfeito
diante do tudo
ao meio
do que se chama vida
mas é rotina
rerrotina da retina
retinta

sexta-feira, 20 de julho de 2018

O livro inteiro que poderia ter sido

O livro que não publiquei é minha promessa mais bonita sobre palavras não ditas. Dormita, inocente, na gaveta, como se de mim nada soubesse; mas de tudo sabe!

A vida é muito mais promessa do que acontecimentos. Acontece, por acidente ou acaso, um universo inteiro ou a simplória queda de uma folha.

Mas é a promessa a expressão mais humana, mais intencionalmente lírica.

(Gostaria de fazer uma ode aos planos irrealizáveis)

Potencialmente o livro é livro, mas de fato, não o é. Está cheio de si, continente de mim ou do que me pretendo ser. Mais que confidente: é projetista contundente do meu rumo e desrumo, em tantas (im)possibilidades.

Publicação seria o ato de fazê-lo rebento, vestindo-lhe forma, uma capa eterna.

Enquanto no plano-ideia, segue amorfo, fluído, nuvem na proa do firmamento.

Trazê-lo à tona é quanto pelo ego? Se já me diz tanto respeito, que mais precisa dizer? Deve contar algo a alguém? Seria livro pouco verbal, em verso-mudo? Que não ousa nem murmurar ao folheio das páginas?

A que páginas?
Pois se o campo imateral é tão vasto.

Quiçá seja ele verdadeiramente pretensioso: não quer assumir cara alguma, viver no romance do esquecimento - como se fosse meu tesouro perdido.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

atenção senhores passageiros

enquanto lia timidamente seu romance
crônicas se expunham a cada parada 
(e faz frio, depois de uma tarde ensolarada de inverno carioca)

porém, o alredor desimportava à leitora
contida nas tramas lineares do romance
- somente saculejadas à curva mais aguda do piloto

talvez fosse um livro ruim, depois de dia enfadonho
mas a perspectiva mais ordinária aportava:
era um romance num coletivo
um coletivo com romance

segunda-feira, 25 de junho de 2018

data certa

um dia que caiba no dia.

que contenha horas suficientes
para ler as notícias

consinta com o espectador de lentos acontecimentos:

o sol se pôs
o ônibus passou
a criança foi a escola
anoiteceu com uma brisa fria

um dia sobejante
além d' outros tantos

intencionalmente desapressado

marulho




mágoas
minh'águas
navegam longe deste cabo frio

escuto naves partidas em conchas
enquanto marés embalam uivos distantes

o sal que respiro
tempera meu corpo
à temperatura deste mesmo dia

sol de segunda-feira, nascido à rotina
desafia a retina:

já não me vejo ao sul
já não sigo o solfejo 


sábado, 16 de junho de 2018

serial killer

escreveu com a beleza mais insana que poderia
gastou referências
falou do fim como se soubesse antes

cravou um punhal fazendo sangrar cada letra
e assassinou

quinta-feira, 7 de junho de 2018

mise en place

todo anúncio e verso
não faz verbo
ao silêncio que virá

sábado, 2 de junho de 2018

batismo

na praça da igrejinha onde fui batizado
correu o rio e o tempo
mas o silêncio persiste
feito o gosto de guaraná de garrafa
do botequim vizinho

inédito é apenas o busto do célebre poeta desconhecido:
Olegário Mariano - poeta das cigarras
título que, sem saber, designava-me
quando menino

segunda-feira, 21 de maio de 2018

quindi

desde a tarde iluminada na Guanabara
vejo contorno de tuas montanhas
imaginando teus domingos

tanta lembrança estirada naquele jardim!

o sol q'aquece aqui
já não acalanta como o da varanda
- esperançoso e passarinheiro

quinta-feira, 17 de maio de 2018

incontinenti

(morreu em Petrópolis, aos 93 anos)

o mundo segue sem Eloísa Mafalda
com a mesma pressa, com se nunca houvesse novela da Globo

os causídicos engraxam sapatos à porta do foro
os manobristas arranjam espaços intangíveis
os funcionários seguem à serventia
o mundo segue sem Eloísa Mafalda

o trânsito, a política, os negócios, a chuva, o suspiro:
tudo acontece desinteressado ao obituário do jornaleiro.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

incendiante

arredia à correta política,
insidiosa, ela quer que diga sim
bem forte
e segure no braço

sem assédio
a poesia vai simbora

cigana

meu mundo é uma palma
com alguns rios e pequenas pontes de madeira
meu destino é atravessá-las

cotidianamente

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Budapeste


não há lâmina que corte
o átimo sem começo nem sela
a palavra húngara é correnteza
ao Danúbio

passa sem hora da espera
szív:
já perdi
quando me dei por ela

sábado, 31 de março de 2018

astronomia geral do cansaço

estrada à pasmaceira. depois de tanto tempo. no miolo do nada. alguma coisa arremete.  olhar o céu de novo dá uma puta canseira.

quinta-feira, 22 de março de 2018

ritornello

quem espera
o que alcança
apodrece a maçã
para então 
recair no desejo

quarta-feira, 21 de março de 2018

marcho em março

o alto do tempo rumou
à palavra nascente
e o amor, à galope

chego ao aconchego de uma certeza vã
mas efusivamente não estou
além do que era
ou aquém do que seria

o inter-mim há
limiar de alguém
que não vê, por bem
muito mais que desnó do meu cadarço

quarta-feira, 7 de março de 2018

insone

na derradeira hora
do quase-amanhã
aqueço o dia que foi

entrementes
semeia o sol
o silêncio
que som será

O verbo é silente; quem ladra é o homem

A escrita poderia ser esconderijo. Por mais curioso que pareça, em meio às palavras, reina o silêncio. Especialmente no interim das palavras não ditas. O que está por ser dito abriga uma infinidade de acolhimentos: é casa de amplos cômodos.

Os dizeres chovem pela cidade e não há tempo para ouvi-los. Troca-se mensagens em poucos olhares. Não se sabe o que e a quem chega.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

amado pretérito

o presente é apressado e inconstante
cada segundo põe uma pá de areia no que mal comecei a pensar
e o futuro soa eternamente desanimador
talvez Robério de Ogum entenda de porvir - eu não

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

sobre o viaduto

extravia o poema
fora da curva
descaminha longo entre três pontos
-intermináveis-
a olho nu
não vendo espera

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

defrag

já que em instante não podemos cruzar
levo o leve que deixastes no ar
percorrendo teus passos
remontando imagens de tuas últimas flores

primeira página

verdejante, abdico à madurez
reestreio a sabedoria mais oca das embaúbas
à copa mais elevada pouco importam os últimos acontecimentos de Copa

o vento doce é a notícia mais extraordinária do dia
em cuja suave rajada a borboleta explora um rasante

às primeiras horas

os primeiros raios do dia se espalham contidos
ontem choveu e as nuvens ficaram
apesar disso, passarinhos se alvoroçam com a certeza de luz
carregam fé reluzente sobre o inocultável

fé que arrebata minhas remotas linhas adormecidas