(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sábado, 29 de maio de 2010

tosse


condicionamentos
tosse, tosse, tosse.
meu peito clama ares incondicionáveis.

diz pára, mas não pára.
tosse, tosse, tosse.

desespero do pulmão à garganta.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A vida inteira poderia ter sido

Se houvessem esbarrado
e tropeçado juntos

caíssem.

Se houvesse chuva e caos
nem houvessem vias
Todo caminho se lhes houvesse e ponto.

E andassem,
calassem, tomassem mão, beijassem.

Se houvessem lua absurda e orquestra na praia.
E Copacabana fosse nua: estrada finda.

Os amores das cartas não lidas
mas escritas,
até postadas.

Por todas as coisas que
poderiam ser - e não foram
uma vida
inteira.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Bonequinha-viu


A bonequinha dorme no filme de horror.
Aplaude, em pé, o existencialista francês.
Toma, apática, água com açúcar de comédia romântica.

Contenta-se com drama...

(A bonequinha é minha crítica,
nem abro O Globo).

-Vou com ela às quatro expressões do cinema!

Ótimista



O ótimista ri do dia
como se tivesse sol
descredita em nuvem.
(toda nuvem é pessimista)

É senhor do dia, riso, e alegria.

As vezes é um chato.
que estraga o sabor apurado de tudo que não tem açúcar:
chocolate meio-amaro.

sábado, 22 de maio de 2010

peut-être

à te regarder
comme ça
peut-être un temps
que ne passe pas
entourage oubliée
sur toi:
nuage
que m´invite.

Sobre acertos e erros


Nos acertos e erros
a gente se complica
quando todo esforço não bastar,
não se esforce.

Beire a desistência.
Beire o abismo.

Felicidade é quase um erro
(que deu certo)

É insistência fracassada de acertar.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Poeta em ofício


A papelada embargou a poesia.

Parece isso, parece aquilo.
(Já nem sei o que me parece, enfm!)

Debaixo da pilha processual, uma fresta
“Salvo melhor juízo:
referendei meu fm.”

Processo é sequência suicida de atos.
Brinquei que poesia fosse assim.

Um verso, então outro,
memorando-se,
tramitaram à conclusão

– óbito sem estrofe, nem rima. 

Psicografia (à poesia de Buccario)

Violinista-violoncelista
dos descontínuos sabores
musicais das palavras
versificadas ao vento.

Teus agudos e graves:
rasuras
de recorte em rascunho...

A própria poesia
em estado bruto...

Mais que lapidar,
apresentas a lápide:
-Teu verso.

sábado, 15 de maio de 2010

Estrela

Minha estrela, me estrela:
meu amor aconteceu,
de tanto olhar o teu
o céu apareceu.

olhos e me vejo.
sou poeta faminto
paixão, me como
amo amor que sinto.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Grota Funda

Na Grota Funda revejo minha serra.

O recorte dos morros e mansidão da Guanabara.
Reatei tudo.
Visão alta, sólida, solitária.
Roçei nuvens.

Sou montanha
a tantos pés do nível do mar, seguro em rocha.
Só me incide erosão:
chuvas e assobio dos ventos.

Deixo-me soberbo.
Pauso o tempo sem aflição.
Vivo paradoxo no primeiro raio da manhã.

domingo, 9 de maio de 2010

Subverso

Tenho ambição de ser livre.

O império das regras não resiste ao verso,
da minha cara:
dá-se um tapa.

Recomendação é ocaso do homem.
Ambição retém a liberdade.

Subverso independe asa,
apenas:

-rascunho!

Fingimento

Finjo meus dias inteiros:

Fortaleza aos inimigos
Gentileza aos amores
A fé diante do altar.

(...)

Quê sou de fato?

(...)

-Crente, inimigo, amante.

sábado, 8 de maio de 2010

Idiossincrático número um

É duro viver de peito aberto
com o bolso vazio de certezas
a alma descrente
de qualquer sonho de felicidade

Viver a seu modo.
deus dos crentes?
ter um próprio:
criado à imagem e semelhança.

Desconheço meu espaço
já não me caibo
não alenta o chão:
o céu está repleto de planetas!

Vejo tudo ao meu modo:
minhas cores desbotadas
(ton-sur-ton)
turvam a retina!

Identidade me cansa.
Engalfinhar por posição
êxito?
priviégio confina...

Há dias que não suporto bom humor, sol e praia.
Dentro vivo intensa cerração:
desqualificados sentimentos,
não bancam nobreza.

Vivo, vejo, sinto, reajo
sempre a meu modo
é a maior satisfação:
ser idiossincrático e autoral.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Poeta

De todas as cores quistas: cinza.
Nuvens no teto.
Sob névoa quieta em si.
Em si, poeta, vive.

Mais que todos os seres.
Mais que todas as cores.
Só, ínfimo: 
mundo em perspectivas maiores.

O sol adentrando em fios.
Ardendo recheio da carne.

Poeta inflama na medida que ama,
e se desfaz.

domingo, 2 de maio de 2010

Nua

Nua és tátil
à flor da pele,
tua pele em flor.

sentir-te nua apura o tato
sem tecido atritar.
nua te acarinho,
com algumas palavras.

Desloucado

Eu me vi, eu me vi noutro
vim poeta, fui louco
de solidão e euforia
curtos alta voltagem ao fim do dia.

Vi o mundo com pressa, poeta:
"espera anota!"
Vi o mundo com fome, louco:
"come um, pra saciar".

Vi louco em mim, e me poeto:
sou viés debatendo
o coração à deriva,
na ressaca de bar.

sábado, 1 de maio de 2010

Gravata



A elegância aperta o nó
e afoga o gogó
de coisas não ditas.