(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Luto de cinzas

A marcha de alegria segue calada. A liberdade em despedida. A gente se espalha, agora se recolhe, segue passos firmes e murchos, sem aquela cadência ritimada que atravessa o tempo. Carnaval é uma entidade que paira. Naquele salão, na Avenida Rio Branco, quantas gerações figuraram a mesma brincadeira de desfantasiar-se, no mesmo som. Um carnaval não começa nem termina: segue o outro, numa linha paralela do tempo, feito trenzinho dos bailes. E vão todos juntos, sem propósito, sem espera, bem criança. Quando acaba, vem um luto ardido. Toda sobra é vertiginosa e descedente. Nos arrebata melancolia, quando jogamos a ultima rosa sobre o caixãozinho de retrato dos foliões.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Maiêutica número um

Poesia nasce por teimosia,
na insistência assêmica...
onanista!
E desponta alguma coisa no limiar da ausência.

Própria vida
que se nos apropria
vistoso ou não
hemos de parir o rebento

Às vezes já morre na garganta:
rastro ridículo, ininteligível
com uma razão nova,
que deturpa a origem.

Comoção em massa

Na multidão, todos se perdem. Despedem-se do pensamento, o sentimento, o propósito. Por um instante se pensa "que estou fazendo aqui?". De repente, absortos pela comoção em massa, sentimos um só pulsar, uma só alegria, somos a multidão, a torcida, desprovidos de qualquer unidade. O filme de comédia, menos engraçado, nos incita o riso porque salpicam gargalhadas na sala escura de cinema. No Maracanã lotado: ola, gritos rimados, e a sensação de torcedor se perde, exigindo que às vezes se torça pelo Flamengo em casa, trancado no quarto. Na comoção da folia carnavalesca, a alegria não é nossa, surge pela química-fisica. A proximidade dos corpos resulta algo muito além da soma matemática. E nesses sentimentos que se nos incorporam, todo mundo se irrita com a dúvida de que não haja colombina, arlequim e pierrot. Mas amor de carnaval é coletivo, nunca de um só.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Retrocesso das horas

O tempo então se ganha
rebobina a hora
de novo, em face da bifurcação:
toma-se o outro caminho.

Mas logo se vê
que passos são passos, estrada é tudo igual
o resultado de chegada, pessoal:
em algum momento vai se estar só

De todos remendos,
o melhor está feito:
o que não se pode mudar.

O retrocesso das horas é puro tormento:
em pensamento volvemos,
pra apertar o nó.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Arrefecimento

Arrebate do fogo intenso,
combustão repentista
faz à alma rima
irresistível.

Os olhos palpitam,
às labaredas acesas,
se ardem ou não:
achega e tosta um marshmallow.

E no trato jocoso
arrefece o fogo.
Os pulmões cheios de cinzas
expiram com pesar.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Protagonismo

Folhas brancas arrepiam
Aquela ânsia da estória pronta;
Os varais das entrelinhas vazias
aflitos por idéias ao sol.

Das teses felizes, a mais lúdica desponta:
"seja protagonista da tua vida".
Ainda que noutras figures a multidão;
demais perspectivas lhe são alheias!

Teu texto sai de improviso;
Em cada capítulo, de fim insabido, arte:
dominar teu palco,
intersecante doutros.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Assemia número dois

De repente ruiu o concreto das certezas
ao prazer da tormenta
e não há notícia de qualquer base sólida de arrimo.

Repetino,
puguista imperceptível,
o destino,
o bolso esvazia.

E sem desaponto,
impassivos à obra,
erguemos novíssimo arranha-céu
ao limiar do firmamento!

Ou então ver com brandura:
chapisco aqui, aculá
a estrutura ruinosa resiste
ao nosso contentamento.