(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

domingo, 22 de setembro de 2013

Reclame

Chega de reclame...

Re-clame!

Fale menos de si e mais do mundo
Fale menos de glórias e abrace o segundo

pois a verdade não habita a espuma; está lá no fundo.

Perca-se, erre-se, deite-se e dane-se:
a História já está cheia de heróis!

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Raio X

Debaixo da máquina ressonante
dou-me conta que dentro de mim não há princípios ou certezas;
mas ossos, vértebras e derivações

e o que me sustenta mesmo é a coluna.

Extinta minha consciência, o carbono-14 dirá, milênios depois, quem sou.

Pronto-socorro














o socorro não está pronto
e desespero é emergente;
são tantas filas e triagens que a cura perde o rumo.

qual é a cura?

sigo acurado em não sabê-la.

Ficar

A espera pela vida é longa
e quando chega
já é hora de partir.

Ficar é uma arte.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Maktub

O que está dito, está feito;
não há defeito nem jeito:
as pegadas formam a estrada de quem nem pisou direito.

Cada passo pisa um rumo estreito.

O que fica?

Um dia será a estrada que outro seguirá contrafeito.

Pose de poeta

Às vezes esqueço do poeta que fui, poderia ou um dia tentei ser.

É como um terno branco, que deixo no armário para ocasiões excepcionais.

Quando me visto, sigo a minha festa solitária na qual só valem as minhas percepções. A gramática é minha e as importâncias das coisas também.

Não tenho pose de poeta: sou funcionário público simples que bate o ponto todo dia.

Percorro a normalidade de um transeunte qualquer. Ninguém pode apontar que ali vai um poeta.

Poesia é coisa muito minha;
quando escrevo, interessados podem ver os resquícios.

Mas se não virem ou ainda que eu nada escreva
seguirá a poesia em seu estado mais fenomenal:
a potência.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Potiguar

O mar é potiguar
é generoso em todo lugar:
dá-me sua vista aqui do pomar.

Mar Potiguar, por Rodolpho Saraiva

domingo, 8 de setembro de 2013

Meia-lua-inteira


A lua vaga em si:
o simples rasgo de luz ilumina,
mas é o breu que lhe faz meia-lua-inteira.

sábado, 7 de setembro de 2013

Túnel Velho

Entre o velho e o novo
me atravessa qualquer coisa assim
que já me foi,
ou nunca antes.

Pelo Túnel, emendo bairros a pé
e uma cidade se constrói;
me sinto habitado por tantos lugares.

Olhares -que já foram- me cercam;
olho o que virá, então:

minha casa?

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ao que me fui

Eu Aranha, por meu pai.


Quando era menino sonhava ser grande.
Hoje sou homem que me sonho menino.

Meus deslumbramentos, hoje sóbrios, invejam a grandice de outrora.

(crescer é uma questão de estatura
e de um projeto que nem sempre é nosso)

O menino fazia castelos negando a arquitetura,
como se ousasse o céu em linha reta

dando de ombros à gravidade...

A falta que nos move



Somos repletos de ausências:
dos amigos de infância, dos entes que não estão mais nas reuniões de família,
do tanto que deixamos de ser.

A saudade é quântica!
Física e mecânica que nos faz caminhar.

E partindo ao que nos falta,
prometemos abandonar tudo o que temos hoje.

Ao velho causídico

"Advogado que não vai ao Foro todos os dias não é Advogado", dizia um professor dos tempos de faculdade. Com fulcro neste postulado, o velho causídico transita diariamente por diversas varas, secretarias e departamentos do Tribunal, mesmo em dia de sexta-feira, quando dificilmente encontra Juiz que lhe atenda. O velho causídico é poetinha das tortuosas doutrinas jurídicas, redigindo petições com expressões latinas e descobertas arqueológicas do vernáculo. Sobre a tribuna, desempenha técnicas de oratória persuasiva, em defesa de causas ganhas e perdidas, diante de uma sonolenta platéia de desembargadores e estagiários de primeiro período. Vez em quando, após uma dessas atuações que reputa veemente e brilhante, segue ao bistrô para sorver solitariamente uma dose de uísque, compartilhando seus feitos, eventualmente, com os garçons. Seu paletó grafite desbotado, a placa de seu escritório e seu cartão profissional formam sua identidade ostensiva. Ao uísque, compete todo o resto, em horas de vaguidão e angustia.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

What's up, soul sister?

As almas seguem incomunicáveis, 
no tráfego arrebatador do dia-a-dia:
curtidas e compartilhadas compulsivas,
tato e mira nas telas de retina.

De repente, o olho se cansa do que não vê:
miopia!

O tato sente-se intátil.

Sobre assuntos mais essenciais a tecnologia não fala;

então, por um dedo de prosa a alma se estala...

Olhos nas pupilas, em banda lenta, um carinho leve;
e sem língua alguma, a conversa d'alma anuncia-se:
mediante alerta vibratório na aorta.