(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Matilha

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João seguia Teresa que compartilhava Raimundo
que curtia Maria que curtia Joaquim que stalkeava Lili
que não curtia ninguém.
João foi para Snapchat, Teresa para o Twitter,
Raimundo desinstalou o aplicativo, Maria entrou no Tinder,
Joaquim facebookdou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que conheceu no Par-Perfeito.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

septo

não és o ar que respiro
e não te inspiro confiança
transpiramos juntos
em secto
por alguma razão de ser
que não sei

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O Natal de Nazareth

O Natal do apartamento 204 estava longe de ser daqueles de comercial. Os filhos viajaram com amigos (sempre faziam isso desde que o pai morreu). Restava hoje e sempre Nazareth, já senhora, e sua sexagenária ajudante, Cremilda. Os preparativos não se importavam com as ausências: peru no forno, panela de arroz, farofa, tudo no capricho. A cada retoque nos pratos, Nazareth sorvia um vinho bem tinto e doce, que a impulsionava à catarse. Cremilda, atenta confidente, cortava a cebola da farofa. Surgiam então lembranças dos últimos natais bem frequentados, de casa cheia, bicicleta embrulhada pra presente, crianças correndo. Nazareth discorria com alguma lamúria dos problemas da vida, questionava a criação dos filhos, mas não sabia em que ponto exato as reuniões familiares desataram. Talvez fosse Dona Dorotéia, sua mãe, que mantinha a família unida, pois as crianças adoravam aquela avó.  Mais cebola, mexe a farofa, uma viradinha no peru, outro gole. Nazareth se inebriava de vinho e lembranças, sua voz ia amolecendo. Cremilda olhava reflexiva à cebola corando na panela.
Toca a campainha.
É Dona Pequena, a solitária do 305, que num esbarrão de elevador, acabou sendo convidada àquela ceia. Trazia um pudim de pão (receita centenária) e uma garrafa de cidra. Depois de muitos anos, haveria visita na casa. Mas não apenas por isso, Nazareth parecia mais leve. Havia sobre a mesa um arranjo de flores e frutas em conserva. Parecia que as ausências, de repente, pudessem se fazer presentes. Por mais remota esperança, o coração de Nazareth estava leve neste dia.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

sereia

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és o raio
que arria o sol
à estrela do grão de areia
e arreia
a luz cavalgante pelas dunas

mas és soturna
pois teu canto faz vigília ao brotar da lua

a outra face



passo em retrospectiva:
por tudo que intuí
por tudo que me rendi

sou resto do que havia
projeto do que deixei de ser
um passo atrás, em lembrança
ou tropeço à frente, destino

então,
a outra face
é minha carapuça
que deixei de ser
depois de tantas caras que vesti

hoje, às claras
sou um cara 
e visto a outra face

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

retrossexo

sexo sem nexo
é retrossexo
às cavernas
olores íntimos
sem intimidade
são a mais pura iniquidade

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Lhama

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contra teus cuspes
dir-te-ia, musa andina
"ó llama, cómo te llamas?"

rendez-nous

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sem pestanejar
encontro em teus olhos
algo que voltei para buscar

serestar

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ser esta
música
é ser e estar
em festa

ouvir, tocar, dançar
um constante estado
de seresta.

poema-escada

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antes de chegar ao teu riso
vem o poema que prepara nossa piada
então subo alguns degraus
para beijá-la da escada

Ocaso nos Andes

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o sol
lenta e precipitadamente
morre
vai se deitar pra lá daquele enorme muro
e cá quedamos:
condores
mudos
e órfãos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

coração-sertão

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meu coração sertão
antiagrário agreste
leito do não

espinhos, pedras e pó
cacto tacto
canção deserta
que desperta

o sol

até que
venhas, chuva
e digas
sim!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

in_vasivo

fugindo de mim
talvez me encontre
em busca de alguma coisa

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

viajar é preciso

vivo para viajar
viajo para viver
sou passageiro
mas não espero uma vida pelo embarque à temida viagem
quero antes
muitas asas
que me espalhem
até cansarem
e só então 
pousarem
um exímio voador

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

ocaso

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el sol baja
no por acaso
hay un ritual
cuyas razones son varias
incluso la más sencilla:
ponerte amarilla.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

nosotros

não somos nós
não somos outros;
um hiato entre mim e tu:
nosotros

sábado, 7 de novembro de 2015

unspoken

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queria tocar teu silêncio
com garbo e elegância
sem ligeiro tom de assédio
minha palavra é intangível
porém dedutível:
o dito nada nos daria
além de ruído

cafézinho



Pausa. O mundo chove lá fora. Guarda-chuvas azucrinados de lugar nenhum a lugar algum. Todos em fuga, todos em busca. A saída não os leva ao fim. A chuva inunda ruas e calçadas, onde mendigos acolhem suas camas de papelão. No alto dos prédios, realidades sobrepostas: disque-pizza no primeiro andar, lanche em família no segundo, vazamento no terceiro, casamento desfeito no quarto, contas a pagar no quinto, espera de amor no sexto, enfermidade no sétimo, coma alcoólico no oitavo, telefone toca no nono. Sobre tudo isso, nuvens e, acima, estrelas ofuscadas, de sabe-se lá quando e onde.
Um fruto ocasional cai sobre o carro, fazendo estrondo, e rola sobre a calçada.
A chuva continua mais fina, arranhando a rua vazia.
Tudo isso acontece enquanto meu cafézinho esfria.

domingo, 1 de novembro de 2015

afinidades

ter o que dizer
depois do indizível
ainda que se acolha o silêncio

ter o que dizer
mesmo sem dizer
é sempre fundamental

sábado, 31 de outubro de 2015

SOLidão

O semeador, Van Gogh


o sol brilha só
o sol é uma nota single
o só é
em si mesmo
sol
ainda que não seja luz
a mais ninguém

domingo, 25 de outubro de 2015

azul lejos

azules lejos
mis paredes, mi techo 
colores de mis sueños
siento azules
azules, lo siento




ironia que chove fina

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a chuva fina
que caía
era uma ironia fina
à tua alegria solar

sábado, 24 de outubro de 2015

egojourney

viajar é mais
do que
ir
a outro lugar
fazer check-in e facebookar

é sair
de si

abandonar-se

viajar não é um egotrip.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Rio, apesar de tudo

Samba do avião, Rodolpho Saraiva


há pesar nas marquises e favelas
na cara pálida da negra velha sem futuro

e a sopesar:
os tiros, os alvos, as vítimas
os esbarrões e as carteiras batidas
as verdades nuas e cruas
sem pesar a estiagem e as chuvas de verão...

apesar de tudo errado
Rio de tudo sem pesar
Rio sem pe(n)sar em tudo
Rio, apesar de tudo

sábado, 10 de outubro de 2015

sobre pessoas e lugares

pessoas são como lugares:
há visitas boas de um dia
há viagens incríveis de semanas
há moradas agradáveis de anos

mas a jornada tem bom tempo de despedida
a eternidade pesa e nos é inimiga
suas cordas amarram a asa ferida

a Ida é sempre a saída




terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sumidouro das gentes

Sumidouro recebeu esse nome por conta de um fenômeno do rio Paquequer: suas águas desapareciam debaixo de uma pedra e, mais à frente, ressurgiam vistosas.

O açoreamento do rio extinguiu esse acontecimento em relação às águas. 

Isso, porém, passou a acontecer com pessoas.

Dei-me conta de que, durante o tempo em que por lá estive, sentia-me ora submerso, ora distraído, numa sucessão de superfície/afogamento/superfície. Até que, enfim, respirei intensamente.

Em Sumidouro brotou meu primeiro livro de poemas.

domingo, 4 de outubro de 2015

manhã-vai-com-as-outras

chuva fina
dia de sol deposto

talvez haja sirenes, alarmes, mortes silenciosas
ou abraços, beijos, partos

mas nenhum acontecimento extraordinário

apenas uma manhã que segue tantas outras:
uma manhã-vai-com-as-outras

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Fahrenheit 451

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quando trilhas o trilho da trama
teus trens perdem o verde da grama 
e chegam a lugar algum

mas se pousas 
todo lugar é canto
todo canto é lugar

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

indireto ao ponto

ao redor do quarteirão 
esbarramos em assuntos
e encontramos motes
sem propósito algum 
ou projeto em comum

sábado, 12 de setembro de 2015

sul

Nuestro Norte es Sur, Torres García

não sei do que sou
se de terra ou sal
meu soul é só:
rumo ao sul



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

vínculos criativos

vínculos criativos são obra de dois
com o respeito que lhes diga respeito
amor e cumplicidade
que lhes caiba

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

a_gosto

o frio de agosto faz arrepio
desgosto dos lábios à garganta 
e acima:
já não penso sobre o que sinto 
sentia apenas um pensamento
que partiu
a gosto do vento

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Desestigma

um poeta indireto
que anda à direita
e escreve fleumático 
e tem a barba feita
bebe socialmente
mas não tem sede social

um poeta
só um
poeta



sexta-feira, 24 de julho de 2015

mud(ança)

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a mudança
desavisadamente
anda muda:

muda o pé
muda a dança

e segue quieta sua andança

sábado, 20 de junho de 2015

Sumidouro cinco

Descaminho, Rodolpho Junger


Sumidouro é o fim
de alguma coisa que não terminou 
desapareceu por um tempo
regurgitando mais à frente, como se não houvesse antes

é um desafio ao fluxo do Rio
um ledo engano de suas águas

Sumidouro é algo que tento cada dia me explicar 
um tanto sujo, um tanto poético 
um caminho incerto 
um breve desatino

uma brincadeira com a intermitência 
dos batimentos da vida

terça-feira, 2 de junho de 2015

downtown

a pressa não passa
apressada a pressa de comer arroz com passa
sem saber que, pela pressa, logo seremos passa

e passados, ao atravessar a rua

quinta-feira, 21 de maio de 2015

a borboleta urbana

a borboleta branca pousou no sangue do ciclista morto
depois, arremeteu do arbusto que imaginou árvore
seguiu ao dorso do cão encoleirado
Iludida com sinal verde, arriscou-se ao lado oposto da Avenida Nossa Senhora de Copacabana através de ônibus truculentos
pousou dois segundos nos ombros fatigados da senhorinha

tomou impulso e sobrevoou a gente apressada:

buscava incansavelmente alguma flor perdida no asfalto

quinta-feira, 14 de maio de 2015

a_moroso

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amor não é medida de trocas e perdas
é sabedoria de esperas,
paciência à quimera:
aceitar o que não tem pressa
e talvez nunca chegue

sábado, 2 de maio de 2015

Pret-à-porter

as poesias estão:

na nuvem
nas sombras da árvores
e no sol também 
nas ondas do rádio
na chuva ou na praia
na igreja ou na descrença 
na alegria e na demência

em tudo há
poesia pronta
pra pegar e alargar

Distante

Helicóptero, Leonardo Da Vinci

longe de casa
entendo que não há casa
todo lugar é asa
de onde se pode voar

domingo, 26 de abril de 2015

#hashtag

enquanto pensas em #hashtag 
rasgas a sutileza do tempo:
instante não volta

domingo, 19 de abril de 2015

Sobre lembranças utópicas

Os amigos de colégio abandonaram a pequena vila e cursaram faculdades em diferentes cidades. O mundo tornou-se enorme e não cabia mais em curtas explicações. Entre a raiz e as folhas uma flexão de tronco estendia vasta imaginação. As ruas extrapolavam os mapas cotidianos. Depois de tantas terras, havia mares e além mares. A sensação de ínfimo causava uma ardência no peito, ao mesmo tempo dor e excitação, pois tudo era, então, possível. Todo caminho era caminho. Cada utopia permitia uma direção.

Passado o tempo, as utopias tornam-se lembranças inconcretas. Sobre essas, não houve registro qualquer, por retrato ou bilhete. São sensações mortas que deixaram resquício da ardência peitoral. Esse resquício hoje representa a própria utopia.

E a saudade da utopia é a imaginação que se tem sobre a ardência peitoral. Esforço imaginativo apenas, pois, é impossível reviver a exata sensação. O que se tem hoje é lembrança, a qual não provoca as mesmas reações químicas de outrora. O lado do cérebro é outro. 

Diante da ação do tempo, a utopia não é vinho; é vinagre.

sábado, 21 de março de 2015

dulce



se não sabes o que é, dulce, a vida
ponha o açúcar no café desta dádiva  
confia no que te adoça 
e sorva a tua dúvida
ávida
até o fim

até sejas doce, sejas dúvida:
dulce dú-vida

sábado, 21 de fevereiro de 2015

mormaço

tá tudo bem
(melhor do que já esteve)
mormaço, mas o dia é quente

há praia
e carioca inda pensa em carnaval

(sigo alheio à fantasia)

...

no céu, o sol nubente das nuvens
revela realidades:

"a felicidade é arisca
quem a arrisca
petisca-se
e logo a faz morrer"

olhos nos olhos

nossos olhos não são páreos;
em pares alheios e caolhos
entreolham mirolhos

até que: 
um cisco acolho

pisco


e tuas miradas me fogem das vistas.

fingidor

deveras sinto;
não minto minha dor:
saudade deveras

Inconjugável

à primeira pessoa
o plural soou defectivo
más línguas tocavam
alheios sons
como alhos e bugalhos 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

bicicleta

ganhei minha primeira aos seis anos
depois de um tempo, sem rodinhas
senti a rápida liberdade em volta de casa
até que abri a testa e fiquei ensanguentado

mais tarde, comprei a segunda
com algumas economias
brinquei por um tempo
até dispensar as duas rodas

passei anos convencido:
a perspectiva de dois pés me bastaria

engano meu

hoje tive a terceira, alugada

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Anacronismo

quando o presente não se deu
vejo atualidade no passado
presenteio um tempo meu
ao sabor da brisa arrastado

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

o corte

cortaram as cordas vocais
até que o silêncio caiu mudo
a dor adormecida
sequer gemia

ninguém a percebia;
só se sabe que doía