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"Os escombros da realidade não sufocam o sonho": assim terminava um romance ao qual Gilberta dedicara algumas tardes de leitura. Ao seu redor a realidade era imperativa: as vacas magras, os sertanistas castigados pelas chagas da seca, milhas e milhas de terras inexplicáveis.
Nesse cenário árido, Gilberta era capaz de irrigar sua vida com pequenas fantasias. Os livros e poemas eram seu máximo acalanto. As leituras inspiravam escritos e, assim a literatura lhe costurava os duros cortes da realidade.
Pela internet, Gilberta se correspondia com amigos de cidades distantes, e tinha por eles o mesmo apreço dos bons vizinhos de sua remota vila. Não dormia sem desejar-lhes boa noite, demonstrando-lhes uma gratidão sem motivo algum que, aos olhares mais apressados, ganhava tons de devaneios.
Certa feita, um dos correspondentes respondeu Gilberta, com votos positivos. Em segundos, o absurdo se desfez.
"Os escombros da realidade não sufocam o sonho": a frase do romance de Gilberta, sem literalidade e intenção, formou-se na mente do correspondente que, contaminado por gratidão, abdicou do tranquilizante e dormiu em paz naquela noite.