(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sábado, 27 de março de 2010

Defenestraram a menina!

Nesses casos de grande clamor popular, vêm à tona um juízo muito afiado. Acostumados a julgar barbaridades do vilão das oito, ou o big brother que faz intriga (que "fala mal por trás"), não difícil julgar e condenar um pai e uma madrasta que matam uma menina.

Mesmo em tempos de valores "flexs", homicídio continua sendo socialmente grave, embora corriqueiro. Mas matar a filha/ entendeada, já se torna mais sério, especialmente por se tratar de um casal de classe média.

É mais um daqueles crimes de classe média paulistana, em que não há aquela justificativa de pobreza ("o Estado não vem aqui"). A escusa econômica inexiste. Por isso, soa mais estranho defrontar a crueldade tupiniquim nua e crua.

Brasileiro é bonzinho?

Um crime ocorrido numa família aparentemente bem-resolvida, com aquele fog paulistano ainda dá um toque londrino ao crime, um véu de mistério que remonta Sherlock ou Agatha Christie. Uma estória policial ainda inédita, que a vida cotidiana escreve, lança, e logo vira best-seller.

Imediatamente televisões a postos, especialistas de criminologia pulam do canal 7 ao 13, e imensa expectiva (pressão) de que a justiça seja feita. Há torcida na porta do tribunal; senhas para fila; barracas de camping; vendedores ambulantes; manifestantes que dão um chute na bunda do advogado de defesa, que é projetado quase televisão adentro. Tudo interativo.

Dias depois, sai o veredito: condenação.

Fogos, mulatas gordas pulando, pais jogando seus filhos pro alto, bandeira do Brasil tremulando.

Uma forma nossa de comemorar o aparente alívio de um sofrimento, num clima bem futebolístico. Afinal, é ano de Copa do Mundo!

O que assusta, de surpreendente, além do absurdo (inefável), é a reação dos populares. Matar a própria filha é uma barbárie tamanha, que a reação também merece barbaridade. Os revoltosos se tornam símios, pulam, chutam, gritam.

Ora, pra que um julgamento de 5 dias, se meia hora de pedradas resolvia?

É um lapso que põe em cheque a evolução humana. Racionais? Pensamos?

É, ainda há chão pela frente. Avançamos muito no julgamento. Apontar o dedo em riste ao big brother que joga já virou moleza!

Pela semana, conversava com duas velhinhas de Copacabana. Mãe de 93 anos e filha de 68. As duas sempre juntas, a filha muito zelosa.

Um dia, a filha acelerou o passo na calçada, a mãe ficou pra trás, logo surgiu um transeunte "que absurdo, não faça isso com ela, você não tem vergonha na cara de fazer isso com sua mãe idosa".

Outro dia, as duas numa feira. A mãe se acidentou, e a filha pedia ajuda. Nenhum solícito. Um segurança, inclusive, enfático: "Minha senhora, agora não posso, tô almoçando, vão prum hospital".

O cotidiano confunde!

Então, o que nos comanda: julgamento ou atrocidade?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Folie à deux

Certeza, me espera!
Eu a espero...

-Certeza da vida é esperar!

sábado, 20 de março de 2010

Out_ono

As folhas quebram a censura dos galhos
caem em decomposição
no chão, rezam amores
carpidam já não o luto:
a quaresma há flores.

Os galhos penados se conformam.

O resto é promessa!
árvore-iminente, semente flor-fruto,
coisas mesmas com respiro novo,
como enigma da "galinha-ovo":
o importante habita o ínterim.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Ruas

Não sei nome de ruas.
Sei que uma vai, outra volta.
E terceira lhes tranversa.

Vão pessoas, carros, caminhões: pisado firme no asfalto.

Firme me latejava essa rua sem nome, cheia de abstrações:

sinal abria à partida, fechava à impaciência.
atenção: anda na faixa, espaço onde cabem os pés.
não pensa em demasia: vem um carro e atropela teu pensamento.

mesmo inconvicto, olhei aos dois lados antes de seguir.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A árvore de Peixes

Curiosidade sempre lhe foi algo latente. Curiosidade e apurado (ansioso) senso de observação. Sempre gostou de descobrir o mundo do seu modo. Quando pequeno, sentia como cientista, ser humano pioneiro no contato com a natureza. Achava que, à base de empirismo, era capaz de criar próprias regras e valores.

Foi o que ocorreu neste episódio. Sua irmã tinha um aquário. Algo que fascinava muito o menino: a água e peixes. Questionava-se sobre sobreviverem em tanta água. Como se alimentavam, reproduziam (!!!). Pois sim! Pensou que o aquário ficaria muito mais interessante se repleto de peixinhos. Então lhe ocorreu aquele princípio ativo: o coração batia mais forte, obsessivos olhos mirando o objetivo realizável.

Foi assim que pegou um peixinho, dos mais belos do aquário, com uma redinha de limpeza, depois à mão. Com uma pequena colher, pôs-se a cavar canteiro ao lado da cozinha. Quando percebeu que a “cova era suficiente”, colocou nela o peixinho.

Neste momento, o velho vizinho, abismado com o movimento, perguntou:

-O que estás a fazer, menino?

Prontamente respondeu:

-Estou plantando esse peixinho, pra ver se nasce uma árvore de peixes aqui.

Pássaro

Passarim passarás
pois passaram todo passaredo
em passadiça passação de asas.

que pão: passadio teu céu!
no passadouro de nuvens,
passa-novas de trovão...

Sem passadismo de chão,
voa teu pássaro:
o destino é passar depressa.

Equinócio

Os dias são iguais as noites
aqui folhas, ali flores
águas de março à terra sede;

Em anexo, anuncia:
o ano astral principia,
ao dia mundial da poesia.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Quando vieres

Quando vieres
seja sem vontade
alheia de intenção
repleta de incerteza.

Aconteça:
-sem hora
-sem espera
-sem anunciação

Dispensa verso:
pensa em poema mudo.
Sem heresia namorista,
só silêncio mais fundo:

-Espero inexistência em cumplicidade.

Arpoador


Choro um pranto-canto
na acolhida do meu recanto:
teus braços,
onde entardeço meu dia.

Purifico com restos-de-sol
as penas restantes.
Dispenso todas ausências
em ode à tua presença serena.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sintaxe

Uma frase coordenada. Um, dois pontos: aposto do outro. Recíproca tanta, com nota de rodapé e tudo. Explicação subreptícia. Algo, entre, falava "afinidade". Mas bastava ser conhecedor da língua para perceber: era tudo sintaxe.

Um objeto do outro, sujeito. Ou o contrário. Um verbo dava o ritmo: às vezes falavam, andavam de mãos atadas, paravam, beijavam, e então, contavam estrelas.

Eis que fizeram a oração: "Eu te amo".

Moderníssimos, fizeram amar, verbo transitivo direto.

E sem preposição, o amor (faminto) engoliu o objeto do outro.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Poema-idéia

Poesia tem código aberto;
pode voltar postagem,
e mudar sinônimo, pronome, advérbio.

sentimento ali,
hoje ainda bate:
abuso de ignorar o tempo!

Nem arranjo nem rima.
Que mesmo importa é idéia.

No dia que se inventou o poema,
fez vulgar o sentimento contido a qualquer olhar,
sem medo de furto:

só reflexo do que mora no peito.

Assim, poema é invenção da idéia que dispensa registro de patente.

IN non-sense

Viva o rubor!
porque todo princípio
é da mais pura inocência;

O maior dos poderes é a descoberta.
Nada se compara ao sabor do inédito.

O vazio,
que espera sentido
de repente se inventa:
o homem à plenitude!

De todas as incertezas
Que o desbravamento traz
Possa dizer:

prefiro eternas surpresas,
eis que a morte
é a desurpresa da alma!

Peças

Peças se casam
no "sistema de engrenagem"
atarraxam e desatarraxam
pra que a válvula dispare.

Pode faltar a carrapeta
que afaga o aperto
às vezes é parafuso que não lhe cabe.

Um dia surge conselho:
"troque antes que dê defeito"
e lá na loja de ferragens, à mercê:
tantas porcas, válvulas e parafusos...

terça-feira, 2 de março de 2010

Depoimento

A gente se entende
em prolongamentos metalinguísticos
numa verve rebolante
que me joga no teu seio.

perfunctórios deslizamentos,
bem no teu meio.

Apnéia e auspício,
sinergia de mãos vazias
faz inexorável eu, o teu suplício
e de olhos fechados vemos: idiossincrasias.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Primeiro-de-Março

Bradou o vento às nuvens:
Chova!
e águas do céu fizeram um Rio.

Acontecimento



Há tempos que o mundo não acontece
Há tempos que um mundo me acontece

Espaça um tempo do amor à treva;
ou nada só, deserto...
Solidão de todas as coisas.

Entre ”quer” e “acontece”,
assenta uma espera
na qual abismam flores,
ou até, uma primavera.