(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Do ano que se pede

Viram-se páginas, com a grafia ainda úmida. E correm tantas pendências, tantas promessas e esperas inevitáveis. O que se quer, se espera? É sempre alegria realizada. Ninguém pede tristeza, porque essa vem sem convite. Alegria é cerimoniosa, pressupõe tantos rituais. O que não se deseja, então? Tristeza, que nos brote, assim, sem causa. Um castigo, sem motivo, por azar. Alegria que nos enche, expande, exalta. Polaridade positiva extremada. Picos elevados, altitudes viris, alpinistas nos portamos. A tristeza nos afunda, submete a águas turvas, ao exercício sem fim das braçadas ou do disfarce. De que serve a tristeza? Nada, diriam muitos. Ensinamento, diriam outros. Mas tristeza não é, por fim, nada ou didática, é só tristeza, que nos embebeda, dá letra ao samba, e expõe os nervos. Tristeza, dos goles amargos, que serão inevitavelmente brindados. Mas abre o dia, a alegria! E o que se quer é luminosidade. Repele essa negatividade, que nos arrasa a vontade e o ego. Então o que se alegra é o ego? Talvez melhor querê-las em pacote, eis que siamesas. Ou querer coisa alguma, ser mais esperto. Pois a vida nos permite essa ausência pacífica.

Idiossincrático número dois

Minha angústia faminta
Devoradora de certezas
Desde infância: “quê faz estrela pairar no bréu?”
Agora os medos adultos inerentes.

E a resposta não vem, não vem.
quando se quer, agora!
E quando chega, atrasada.
Ah, sem-valia, ilustrativa.

Angústia inefável
Faz-me pequenininho quando a sinto
Gigante, depois da catarse:
vítima dessa tormenta gravíssima.

Não rogo que as incertezas partam
Nem que seja poupado dessa quadratura cruel de plutão
Sou que sou, ao meu tempo:
Uma viga que se me sustenta,
ou hipótese existencial.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Poema remexido

Sinto saudade dos medos inéditos da infância
E das pulsações desbravadoras também.
Os ares gelados, granizo na grama, aroma de chuva.
O arder de subverter leis desconhecidas.
Todas as coisas tão verdes...

No verão, o canto da cigarra libertava.
A mata era plenitude.
O céu, amplidão infinitamente desconhecida,
Instigava noite-e-dia
Àquela alma recém-concebida.

Depois, adulto: os cheiros, os ares tornam-se insuportavelmente iguais.
Todas as coisas, mudas.
Nada replanta, brota, vinga, floresce.
Lembrança é coisa seca...

E eis que surge o vazio:
a construção feita, as certezas sobre a mesa, tudo arrumadinho...
Mas só se sente verdadeiramente repleto quando há um mundo inteiro de coisas por se inventar, dar nome, quebrar e erguer de novo.
Tudo pronto é tão oco...

domingo, 21 de dezembro de 2008

Pú-ta-kill-pá-ril

Nos momentos de raiva
de tocar zabumba
de cabeça, na parede
diga, convicto, mantra:

"pú-ta-kill-pá-ril"

[respire fundo, contando 4
segure ar, contando 4
solte ar, contando 4
segure sem ar, contando 4]

A gente, então, transcende
a parede, com sutileza:
senhor dos impulsos mais primitivos!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Versos-solos

Belos versos sem par
Fruto dum lero-lero
Dançam solos
Esquecidos

Versos de classificado
Sempre à procura
Tortuosa
Daquilo que não são

“Procura-se uma namorada
Sensata
Que conheça métrica
e remissão”

“Procura-se um poeta
Vasta experiência de cortejos
e galanteios
com desinibição”

[Versos-singles
Enquanto sonham nas gavetas por encontros
rendo-lhes toda imaginação]

sábado, 13 de dezembro de 2008

Je trouve la rose

Petit Prince, Rodolpho Saraiva

Em dias nublados
Espero que fulgures
Mesmo o perigo dessa vereda,
com placas de toda advertência.

-Je cherche la rose...

Princípio vil:
tua ausência me arrebata o sentido
teu silêncio me escurece alma,
meus pés padecem nessas fendas mórbidas.

Mas há o feixe, que anuncia:
“É dia!”
E traz tantas convicções mais brandas,
aporta a rima.

São multicores,
miríades
que nem me importam.
É o teu rouge que desponta!

-Je trouve la rose!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ninpheas

Nynphéas, Claude Monet

É bom ser feito planta-aquática
levado a marejo que inexiste
ser flor intangível
ninféia impressionista
esquecida na paisagem.

Apnéia

Pool, Rodolpho Saraiva

sem ar
não se aguenta
debaixo d´água
se sufoca

tanto ar
e me sufoco
só se aguenta
debaixo d´água

E sobem borbulhinhas do que fui
antes de me afogar.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mareamos

Imagem do Google


Você oscila: marola!
E a gente se ama sobre as tuas ondas
No meu mar de descontentamento

E me brinca:
-Pra que águas remotas?
Todo encanto sucede uma incerteza!

Ao léu dessas falsetas
Vivo imerso
No esforço apneico
de profundezas.

Hoje aprendi te amar:
Ora escafandrista,
Ora teu surfista
E sigo com a boca carregada do teu sal.

Sastre

Gosto do impacto de conformidade
que a poesia traz
no seu encaixe perfeito:
Modismo e invenção!

Traje de talha única
Que toda gente prova defronte o espelho
Mede aqui, aculá
Então... veste!

Bom poeta faz moda prêt-à-porter
Que se cabe sem ajuste
Para que todos se vistam
Dos mais vulgares sentimentos

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Folhas secas de qualquer lembrança

As pessoas eram varridas
Feito folhas.
-Secas de qualquer lembrança.

A herança era doída,
Ferida:
remota cicatriz.

Pretérito imperfeito
Pois, em verdade, não passa:
-É tudo ficção dos ponteiros!

Olvido nos esquece.
De tudo que se resta:
uma prece.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Amo

Amo todos meus amores
de ontem e de então
Minhas costelas todas
de Adão

(em pecado, em paraíso)

Amo todo sentimento
que me perfaz
A soma disso tudo
Eis que sou!

Me reparto, me guardo
Para que então
Esses tantos
me caibam.

Pontuar-te-ei

Vamos exclamar essa vontade
que anda tão interrogativa
pontuemos esse idílio tão eloquente
que você ousa tornar reticente

Chega de virgulas, parênteses...
Abram aspas:
"T´adoro"
[com aquela contração francesa e tudo]

domingo, 23 de novembro de 2008

Impessoalidade (Inspirado no bucolismo do Jardim Botânico)

As coisas mudam,
as essências ficam
dos aromas de xícaras de café
dos vizinhos de tempos de avó

Hoje nem se cruzam
falta tempo e argumento
Mas seguem unos em angustia
separados pela parede

Um dia, o vizinho atravessa carta,
debaixo da porta da vizinha
e o queixume achega doutro lado:

"Nos expomos em decotes,
e n´alma tão vestidos - só por estilo:
ah, nossos dramas nos reduzem ao nada metafísico!
Daí, não assumir o vácuo tem mais valia que convivê-lo?"

E agora passam-se: "bom-dia"
seguros que devem habitar seus vazios solitários
num edifício enorme de apartamentos
repleto de tantos vizinhos espistolares.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Niilismo em pó

Somos pó, nos enfeitamos com mais pó:
a base da sua maquiagem, filha
um dia foi alguém que se enfeitava!

La vida es mientras
Mientras no acaba
Mientras, lo estoy!

E vamos nos fazendo por cima tantas personas
que nem se sabe
se há no fundo
indivíduo.

Sentir-se potencialmente pó,
Não traduz sofrimento
Se pensar que desde já
se pode bailar ao vento

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ma tristesse vient

Ma tristesse vient
d´un temps
que je ne connais pas

J´habite le silence
D´un passe
que je ne me souviens pas.

Je suis démodé
Avec peur de l´oubli
Peur de moi même.

Mais la tendresse
fait des amantes combattants
de l´inquiétude.

Et l´infinit permet
Sentiments de diverses tailles
-Combien mesure ton coeur?

J´attends l ´etoille que brille sans cesse
L´amour de tous les gens
La joie simple.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Amor-em-três-tempos

Imagem do Google


COMEÇO: silêncio
um lado táctil
abismo de olhos
nem se cabe de pensar

SEGUNDO: arrima
a gente em cima...
até cisma
e amarga um vulgar

ENFIM, se finda
é sina!
bate a porta
cada um no seu lugar

Morremos em três pontos:
quem sabe “amigo...”
definido bonito
do resto que ficou.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Personificando

Viver é impreciso
Navegar talvez não
Ao dissabor do mar
Eu prefiro uma razão

Meu amar é uma pedra
E a saudade, meu cais:
Poeta não finge dor
sofre dor que deveras sente.

Viver é to have (or have not)
alguma coisa que valha, em si
ou um sonho que se reparta ao mundo:
comboio-coração.

Viver é impreciso!
Ao sabor do mar
não se escolhe uma razão:
em linha reta, já tomei porrada!

Eu sou um doido que me entranho à minha própria alma.
(Mas com alma não se discute!)
E com o tênue passar das horas, me aproveito:
-E-xi(s)t---ir!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ainda se morre de amor?

Batimentos acelerados
Olhar colérico
Apressa-te
De que serve a espera?
Desvios e atropelamentos:
-Chegada a hora!
Definha até tua última gota
Ainda se morre de amor?

Causa mortis desconhecida,
diria o legista!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Fomentando a busca!

Ao receber por e-mail um texto, dito da Martha Medeiros (acessível em alguns sites, tais como: http://www.pensador.info/frase/NTI5NzQ/), já houve um recuo por supor tratar-se daquelas convencionais constatações modernas sobre amor. Mesmo tendo pouca vivacidade prática no assunto, acredito seriamente na teorização do tema que aliás, é rico ao debate.

De fato, Closer é um filme extremamente marcante pela reprodução exagerada da realidade, dando cores mais vivas à mecanicidade, ao desprendimento, à volatilidade e à insatisfação tão constantes nos relacionamentos contemporâneos.

Contudo, até os mais vanguardistas saem do cinema incomodados, e essa é justamente a intenção, creio eu. E com Martha não foi diferente.

Entretanto, ela propõe uma forma intermediária de relação, entre o amor ideal e o desprendimento de Closer, marcado pela mansidão, amizade com sexo, e uma dúvida intrínseca: “não sentimos, mas pode ser amor!?”.

Confesso que sem extremar a oposição, me veio de imediato a frase célebre de Vinicius de Moraes, em Berimbau: “amor só é bom se doer”. Não se trata de menção masoquista, pois a dor aí deve ser entendida como sintoma agudo.

De fato, o amor romântico, mesmo agregado a pitadas trágicas, como na célebre dupla Abelardo e Heloisa (uma boa sinopse em http://www.beatrix.pro.br/cultobsc/heloidecem.htm), persiste como utopia indispensável. Embora muito refutado, pelas frustrações irreparáveis que geralmente implica, segue cultuado, em templos remotos, clandestinamente.

Martha sugere uma atenuação dessa impossibilidade tão desejada: o amor pós-concebido. Não que esse não possa existir, ao contrário; sem amarras, o sentimento pode ganhar uma perspectiva inédita, rumos imprevisíveis, e ser até mais excitante.

O que se rebate aqui é essa idéia de que pode surgir tão desapercebido que a dúvida lhe seria um benefício. Ou seja, parece que sua manifestação encontra terreno mais favorável quando praticamente esquecido. Brotaria espontaneamente.

Ora, ainda que a gênese possa ser branda, como já se disse, eu, tal qual o poeta, não creio que haja amor sem sintomas agudos. E aí se diga: não são devaneios apaixonados, desconcentrações, idéias fixas, síncopes, tão comuns a estados apaixonados, mas arrepios, sensação de aconchego, e até fisgadas, ainda que não viscerais, cutuquem no âmago.

Alijar-se tanto de Abelardo e Heloisa, a ponto de crer que na mansidão como a manifestação mais excelente, parece abdicar de tantas faculdades humanas, como a imaginação, o sonho, o lirismo e, porque não, a busca. Se bem pensarmos, a proposta de Martha não destoa tanto de Closer, a diferença é que há uma “intimidade-silente-compartilhada” pra dar liga.

Amor dispensa arroubos, mas não dispensa agudeza, e até certo incômodo. Nesse sentido, o verso de Manuel Bandeira preciosamente poderia servir de ilustração: “palpitação inefável”.

De fato, não convém definir com rigor, mas é possível discernir o que é e o que não é. “Pode ser amor” não tem menor cabimento. Ainda que venha muitas vezes desprovido de convicção, nunca seria ruim o bastante, a ponto de nos privar da possibilidade de sabê-lo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Vertigem

Sinto múltiplo desfalecimento
Das funções humanas
Tampouco resiste no peito
Solitário batimento

Velo a morte alheia
De cara, de amor
sem qualquer esboço.
O resíduo é poeira sobre a cômoda!

No micro-espaço
Que as leis universais se esquecem de reger
Fenece até a humanidade:
plangimento sem razão de ser

Espalhada no céu a vertigem
de azul tímido e pálido
carregado de tantas certezas cadentes:
transeuntes verticais.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Quimera

Não arrisco
Não rasgo
Não bebo
Não caio

Ensaio o passo
Praquele carnaval

Não exagero:
Contento;
Introverto
o intento.

Não como; engulo
Não ajo; invejo
Não vago; traço

Não viajo pra me arraigar
Não corro pra não suar
Não digo que amo porque um dia acaba

Escorro na antecipação do tempo
No vento que me arrasta por todo canto
No vento que a mim arrasta tanta coisa que não é minha

E meu resto segue guardado pruma quimera certa.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Amo por amar

Sou romântico-egoísta, caprichoso:
Como te visto de amada
Também te posso despir.

Amo a idéia
com toda devoção
sem nem te saber a cara
pouco importando quê nos será

Amo por amar
sem traço ético
sem qualquer reverência
ou altar

Mas amor, não temas:
tenho zelo
à nossa irrealidade,
remédio cotidiano.

Rogo que sigas meus passos
devaneios descompassos
e confia que teu capricho
também seja meu.

Poema nati-morto

Tua mudez denuncia
o quanto caibo no teu silêncio
passa venta, passa brisa
lá estás, que só espias
boca silente, mas olhos eloqüentes
doidos pra me berrar

E chega o tempo de incerteza:
de que vale toda beleza
sem um verso para ecoar?
[reivindica-se um suspiro
monossilábico, duma perna só...]

Mas tu te quedas impassível
contempladora insensível
do meu verbo sem par

E tu te calas tanto, tanto
Que não há razão alguma para poema
[sabes que é teu rebento?]
Nem fórceps, nem luta:
Eis poema nati-morto.

domingo, 5 de outubro de 2008

Rio da minha vista

Sinal Fechado, Rodolpho Saraiva

Há ônibus demais na Rua Jardim Botânico
Preso no engarrafamento!
Vem panfleto: tudo que não interessa.
Vem pivete: vidro fechado nem sempre resolve

[desse me defendo com mirabel puxado do porta-luvas]

Do alto do Leblon, suspiram rajadas
Embaixo do Leblon, escorrega-se tenso, feito o metrô que corta as entranhas dos morros
Naquele bar sempre lotado: em pé na rua, esperando o chope bem tirado
A gente engole o prazer de ser carioca!

No Arpoador, pára por instante
Ode do esquecimento
Vê a vida das ondas:
o surfista que vai e vem.

Em Copacabana aquela gente encolhida:
mais de dez numa cabina... com janela sai mais caro!
E tantas calçadas...
Com o rastro da solidão cã de apartamento!

Não subo o morro
porque o samba desce à lapa
Me morro de alegria saltitando ruas urinadas
Ao som da velha guarda

E Botafogo com cara de paulista?
Um mar de água parada
tudo pálido, cinza...
Tudo alternativo!

Na Barra da Tijuca
Aquelas maquetes todas:
De mini-Rio, mini-Miami...
mini-gentes passeando em áreas temáticas.

E quem já se explodiu num trem da central?
Num Maracanã super-lotado...
Haja roleta
Pra essa gente não se perder.

No Rio ou você é artista de novela, figurante ou telespectador.
Há sempre um flash cansado nessa cenografia toda...
Registra!
Esse povo enamorando, abraçando a Zona Sul!

Mas Rio não é novela: é cinema!
Cidade-de-Deus?
A gente pensa,
quando vê o Redentor de banda...

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Volante Olvido

Imagem do Google


Voa
Espalha (por) todo o canto
Sê vento
Sopra gelado nos ouvidos
O teu ar de esquecimento

Faze sentido
à tua despresença
Quão intensa!

Tua distância acerca
Quando aconteces noutro plano
Tal estrela recém-brotada!

E, de repente, escureces
Totalmente
Nem se pode dizer
“Estás ausente.”

[Pois sabes a mágica de fazer-te inexistente.]

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Profundidade

Lá no fundo do poço
achei uma poça
E nela me me vi
como espelho

Mas é tanto bréu que nos permeia!
aquele reflexo obscuro
é mera confusão!

Então resolvi:

Lá no fundo do poço
naquela poça
me banhar
sem querer luz nem revelação.

sábado, 27 de setembro de 2008

Sobre amor e aquela coisa toda



sobre o amor e aquela coisa toda
a gente s’embola
e chega a lugar nenhum.

melhor quando não pensa nisso
e, sem batismo nem lei,
se quer e se espera à toa
ausente qualquer fundo feliz de verdade.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Encaixe



Não nos amam pelos atributos,
Nem os perdemos se não somos amados
Tudo é normal nesse jogo de encaixe:
Uns não cabem nos outros

E quantas peças sobressalentes?
E quantas adaptações?
Quanto adjetivo substantivado!

A gente ama, porque não tem razão
E desama com razão:
às vezes, venta um esquecimento..

E seguem todos, em prova,
Na busca incessante do que não chega
Até que lhes venha a percepção e diga:
– Não há encaixe; só improviso!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Manifesto ao punguista desgraçado

Passo ardendo pela orla
sob sol sincero de domingo 
esqueço o redor em volta 
todo dentro do meu som 

Passa-me um punguista-ciclista 
sem cuidado, com minha ambulante ausência 
e me bate no peito: 
foi-se todo ouro que me restava naquele cordão... 

Ah, se me levam também esses óculos escuros! 
perco ainda minha liberdade poética 
de chorar escondido pela multidão.

Paúra

Meu amor,
depois de grandes, temendo mergulho,
entregues ao raso
– Eu só avanço se for de boia!

Morremos de medo do durante
Morremos de medo das sobras
E viver com risco de síncope
é desconcertante.

Fico aqui, segurando os ponteiros
Dispersando a espera corrosiva
Raciocinando todo o sentido
Para que esse encanto seja praxe.

Mas é tão antinatural!
Almas rosetando, rosetando...
E a gente amarrando.
Que medo é esse que não é nosso?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Pueril número dois

Meu amor,
Depois da vastidão, a gente se encontra
E se vê diferente daquela ternurinha:
Eta coisinha boba, tão pueril...
Fazer contigo aquela namoradinha de recreio que não tive.

Mas passa tudo o que é vago
E fica lá aquela florzinha de calçada, impassível:
parece mais rija que todas incertezas do mundo!

É nossa ternurinha com a fragilidade que suporta o tempo!

Pueril número um

Arundina, Rodolpho Saraiva

Sou tão criança pra essas desventuras amorosas
Amar não é mais só chegar, encostar
É contrato: há ônus, direitos, rituais, contas a pagar
Não há mais acordo silencioso
A vontade há de ser berrada: “Eu te amo!”

Cansam-me tantas intenções, sentimentos adjacentes
Tudo que não é puramente gostar
torna árduo o prazer de se achegar

E a dama é impávida
Cheia de olhos, bocas, mãos
E me vejo perdido: tenho tão pouca mão, tão pouca boca...
E morro de medo de olhares!

Poderia ser:
-chegar, encostar
-silencio repleto
-palavras guardadas na gaveta
-florzinhas (daquelas que brotam no meio-fio das ruas) no cabelo da amada
-e um beijo puro e primeiro...

Desfluente



A gente fica grande e desaprende a ser fluente
riso contido
choro escondido
só pra ser grande.

E amar fica assim sisudo
coisa de gente crescida:
-Amor, não te iludas!
Nosso amor não dura para sempre!

[Eis a ciência de ser maduro]

Tédio

Acompanho meus trânsitos
Astrais
E não encontro explicação para esse enfado mortal
Que quadratura explica esse tédio?

É feito uma morte lenta
Um sufocamento da vida
Um silêncio imperativo
Que nem se grita

Cala-te boca
Que boceja
Boca fechada
Não entra mosca

Quiçá esteja regido por astro
Cuja translação leva 360 anos
Em torno dum sol
Que um dia se apaga!

Não se vive:
espera-se
por aquele acalanto
que nos faz cerrar os olhos.

Transitório número três

Na volta pra casa,
do trabalho
tantos mudos,
pelo cansaço do dia.

Espiam-se, interrogativos:
“Que passou? Que será da noite? Da tua manhã?”

Transeuntes
tantos juntos
por instantes
nesse rumo.

-Ponto de parada!

Comunhão dissoluta.
Na hora chegada!
cruzam-se olhares
em partida.

Transitório número dois

Nas goteiras
dos ares-condicionados do centro da cidade
passo apertado
em meio a tantos passos
contidos, corridos, centrados
todas as gentes em guarda-chuvas
protegidas das incertezas do tempo.

-Esbarrão!

Dum lado seguem,
em fluxo.

Doutro, sigo eu:
conjugando o singular.

Transitório número um

Ando na rua sem tempo
Cruzo pessoas sem sentimento
Sigo, sigo, sigo.

Sopra o vento
Pinga a chuva
Desbota um pensamento

Sigo, sigo, sigo.

Uma espia, outra balbucia.
Uma se vira, outra se cala.
De que serve a fala?

Sigo, sigo, sigo.

Passa toda gente
Ínfimos traços diferentes
soam tão iguais.

[Sinal fechou:
Fazes cara de interrogação]

Mesmas caras
Inclusive as tuas
E não sei porquê te amo.

A cara-de-Clara

Os olhos odeiam equívoco! Acabam atrelando cara à pessoa. Vai haver tempo que não queira nada seu que não venha dessa loirinha aí. Com essa cara que não se define, mas é cara de Clara, pois se não for, você se zanga. Parece surgida de revista de consultório: empalidecida, depois de tantos folheios. Uma cara que desprende de alguém, e vira um efeite. Uma persona teatral. Ou esconderijo da nudez. Roupa que alguém tomou pruma festa, e não usou mais. Fica numa angústia estática: à espera de uso mais persuasivo. Com o encanto de ser cara-bonita, mas o desencanto de não ter vida. Despertando dúvida, descrença. Provável mentira, que não causa pavor... uma brincadeira. E segue lá, se afirmando sem expressão, prum olhar qualquer.

Pra começo de conversa

Faltou explicar o nome!

Por vício de comodidade, a primeira opção foi novasbossas.blogspot.com. Contudo, esse domínio está em uso (?), por alguma dita cuja que até hoje só fez um post: um recado tolo de amor. Ou seja, gastou o que seria nossa marca e espaço na preciosa rede pra mandar recado.

Mal que veio pro bem: inovamos. Haja bossa não perde nossa essência de bossa-novista. Além disso, o verbo exclamativo traz dois sentidos favoráveis: haja de necessidade, e haja de abundância.

Quanta bossa a gente tem pra falar disso?
Quanta bossa a gente usa pra falar de tão pouco?
Quanta bossa a gente precisa pra falar do que se quer?

Portanto, hajabossa é de uma só vez nome, desejo e caminho para nossa atividade bloggueira.

E dando pontapé inicial ao exercício literário, seguem além das novidades inevitáveis, uma seleta do acervo do novasbossas.blogger.com.br, que por razões técnicas, encontrava-se inacessível aos leitores.

Apresentação: experimentando o indizível

Cinco anos depois da primeira experiência bloggueira, no novasbossas.blogger.com.br, resolvemos mudar de casa para avivar os ânimos. Não se pode negar que os recursos do blogger.com foram mais atrativos, além da posssibilidade de maior interação com outros escritores e leitores. Sem mais delongas, desafiamos esse mar de idéias e expressões que é a internet. Vontade de ser percebidos não falta, mas sabemos da dificuldade. De fato, a satisfação não virá com reconhecimento de técnica, mas com a valia de atingir alguns corações. Reconhecimento há quando um leitor se reflete no texto, e vê nele algum sentido particular. Então o que se quer aqui é compartilhar. E para tanto, vamos louvar a liberdade, sem pudor de experimentar. Se há essa possibilidade, por que não desfrutá-la?