(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Fomentando a busca!

Ao receber por e-mail um texto, dito da Martha Medeiros (acessível em alguns sites, tais como: http://www.pensador.info/frase/NTI5NzQ/), já houve um recuo por supor tratar-se daquelas convencionais constatações modernas sobre amor. Mesmo tendo pouca vivacidade prática no assunto, acredito seriamente na teorização do tema que aliás, é rico ao debate.

De fato, Closer é um filme extremamente marcante pela reprodução exagerada da realidade, dando cores mais vivas à mecanicidade, ao desprendimento, à volatilidade e à insatisfação tão constantes nos relacionamentos contemporâneos.

Contudo, até os mais vanguardistas saem do cinema incomodados, e essa é justamente a intenção, creio eu. E com Martha não foi diferente.

Entretanto, ela propõe uma forma intermediária de relação, entre o amor ideal e o desprendimento de Closer, marcado pela mansidão, amizade com sexo, e uma dúvida intrínseca: “não sentimos, mas pode ser amor!?”.

Confesso que sem extremar a oposição, me veio de imediato a frase célebre de Vinicius de Moraes, em Berimbau: “amor só é bom se doer”. Não se trata de menção masoquista, pois a dor aí deve ser entendida como sintoma agudo.

De fato, o amor romântico, mesmo agregado a pitadas trágicas, como na célebre dupla Abelardo e Heloisa (uma boa sinopse em http://www.beatrix.pro.br/cultobsc/heloidecem.htm), persiste como utopia indispensável. Embora muito refutado, pelas frustrações irreparáveis que geralmente implica, segue cultuado, em templos remotos, clandestinamente.

Martha sugere uma atenuação dessa impossibilidade tão desejada: o amor pós-concebido. Não que esse não possa existir, ao contrário; sem amarras, o sentimento pode ganhar uma perspectiva inédita, rumos imprevisíveis, e ser até mais excitante.

O que se rebate aqui é essa idéia de que pode surgir tão desapercebido que a dúvida lhe seria um benefício. Ou seja, parece que sua manifestação encontra terreno mais favorável quando praticamente esquecido. Brotaria espontaneamente.

Ora, ainda que a gênese possa ser branda, como já se disse, eu, tal qual o poeta, não creio que haja amor sem sintomas agudos. E aí se diga: não são devaneios apaixonados, desconcentrações, idéias fixas, síncopes, tão comuns a estados apaixonados, mas arrepios, sensação de aconchego, e até fisgadas, ainda que não viscerais, cutuquem no âmago.

Alijar-se tanto de Abelardo e Heloisa, a ponto de crer que na mansidão como a manifestação mais excelente, parece abdicar de tantas faculdades humanas, como a imaginação, o sonho, o lirismo e, porque não, a busca. Se bem pensarmos, a proposta de Martha não destoa tanto de Closer, a diferença é que há uma “intimidade-silente-compartilhada” pra dar liga.

Amor dispensa arroubos, mas não dispensa agudeza, e até certo incômodo. Nesse sentido, o verso de Manuel Bandeira preciosamente poderia servir de ilustração: “palpitação inefável”.

De fato, não convém definir com rigor, mas é possível discernir o que é e o que não é. “Pode ser amor” não tem menor cabimento. Ainda que venha muitas vezes desprovido de convicção, nunca seria ruim o bastante, a ponto de nos privar da possibilidade de sabê-lo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Vertigem

Sinto múltiplo desfalecimento
Das funções humanas
Tampouco resiste no peito
Solitário batimento

Velo a morte alheia
De cara, de amor
sem qualquer esboço.
O resíduo é poeira sobre a cômoda!

No micro-espaço
Que as leis universais se esquecem de reger
Fenece até a humanidade:
plangimento sem razão de ser

Espalhada no céu a vertigem
de azul tímido e pálido
carregado de tantas certezas cadentes:
transeuntes verticais.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Quimera

Não arrisco
Não rasgo
Não bebo
Não caio

Ensaio o passo
Praquele carnaval

Não exagero:
Contento;
Introverto
o intento.

Não como; engulo
Não ajo; invejo
Não vago; traço

Não viajo pra me arraigar
Não corro pra não suar
Não digo que amo porque um dia acaba

Escorro na antecipação do tempo
No vento que me arrasta por todo canto
No vento que a mim arrasta tanta coisa que não é minha

E meu resto segue guardado pruma quimera certa.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Amo por amar

Sou romântico-egoísta, caprichoso:
Como te visto de amada
Também te posso despir.

Amo a idéia
com toda devoção
sem nem te saber a cara
pouco importando quê nos será

Amo por amar
sem traço ético
sem qualquer reverência
ou altar

Mas amor, não temas:
tenho zelo
à nossa irrealidade,
remédio cotidiano.

Rogo que sigas meus passos
devaneios descompassos
e confia que teu capricho
também seja meu.

Poema nati-morto

Tua mudez denuncia
o quanto caibo no teu silêncio
passa venta, passa brisa
lá estás, que só espias
boca silente, mas olhos eloqüentes
doidos pra me berrar

E chega o tempo de incerteza:
de que vale toda beleza
sem um verso para ecoar?
[reivindica-se um suspiro
monossilábico, duma perna só...]

Mas tu te quedas impassível
contempladora insensível
do meu verbo sem par

E tu te calas tanto, tanto
Que não há razão alguma para poema
[sabes que é teu rebento?]
Nem fórceps, nem luta:
Eis poema nati-morto.

domingo, 5 de outubro de 2008

Rio da minha vista

Sinal Fechado, Rodolpho Saraiva

Há ônibus demais na Rua Jardim Botânico
Preso no engarrafamento!
Vem panfleto: tudo que não interessa.
Vem pivete: vidro fechado nem sempre resolve

[desse me defendo com mirabel puxado do porta-luvas]

Do alto do Leblon, suspiram rajadas
Embaixo do Leblon, escorrega-se tenso, feito o metrô que corta as entranhas dos morros
Naquele bar sempre lotado: em pé na rua, esperando o chope bem tirado
A gente engole o prazer de ser carioca!

No Arpoador, pára por instante
Ode do esquecimento
Vê a vida das ondas:
o surfista que vai e vem.

Em Copacabana aquela gente encolhida:
mais de dez numa cabina... com janela sai mais caro!
E tantas calçadas...
Com o rastro da solidão cã de apartamento!

Não subo o morro
porque o samba desce à lapa
Me morro de alegria saltitando ruas urinadas
Ao som da velha guarda

E Botafogo com cara de paulista?
Um mar de água parada
tudo pálido, cinza...
Tudo alternativo!

Na Barra da Tijuca
Aquelas maquetes todas:
De mini-Rio, mini-Miami...
mini-gentes passeando em áreas temáticas.

E quem já se explodiu num trem da central?
Num Maracanã super-lotado...
Haja roleta
Pra essa gente não se perder.

No Rio ou você é artista de novela, figurante ou telespectador.
Há sempre um flash cansado nessa cenografia toda...
Registra!
Esse povo enamorando, abraçando a Zona Sul!

Mas Rio não é novela: é cinema!
Cidade-de-Deus?
A gente pensa,
quando vê o Redentor de banda...

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Volante Olvido

Imagem do Google


Voa
Espalha (por) todo o canto
Sê vento
Sopra gelado nos ouvidos
O teu ar de esquecimento

Faze sentido
à tua despresença
Quão intensa!

Tua distância acerca
Quando aconteces noutro plano
Tal estrela recém-brotada!

E, de repente, escureces
Totalmente
Nem se pode dizer
“Estás ausente.”

[Pois sabes a mágica de fazer-te inexistente.]

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Profundidade

Lá no fundo do poço
achei uma poça
E nela me me vi
como espelho

Mas é tanto bréu que nos permeia!
aquele reflexo obscuro
é mera confusão!

Então resolvi:

Lá no fundo do poço
naquela poça
me banhar
sem querer luz nem revelação.