(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Que venha o novo, de novo!

Louva Deus, por Rodolpho Saraiva

De novo, o "sempre-novo", que já põe a novidade em dúvida. Mas é o propósito que nos faz zerar o cronômetro e abrir páginas novas. Ficção de que tudo pode ser diferente. Acalanto de encher o peito. Embora se saiba, de ante-mão, dos limites. Felicidade é muito menos concretização do que se quer. Felicidade tem um quê de arrebatamento, de surpresa. E surpresa não se pede: fica prevista. Então, nada dessa mendicância "simpática". Deixa fluir! 2010 terá ondas curtas e gigantes. Cabe ter competência para surfar direitinho. Afinal, nossa responsabilidade é que define. Não há infortúnio tão malvado que nos prive da responsabilidade ser livre. Ainda que só reste pensamento; ou esse parágrafo; ou um suspiro. Com liberdade, felicidade sempre será possível. Portanto, é melhor não pedir tanto: o pedido restringe o porvir. E se perde de vista satisfações melhores, mais livres, que ainda nem foram pensadas.

Amor em Glória

Imagem do Google

Imagine este amor:

Pessoa madura,
míope-de-óculos,
Sofridas páginas em saliva:
um romance "Glorinha":

Amor na ponta do nariz
"amor, rega as plantas"
Amar em glória não é caso nem acaso
é uma missa na primeira hora da manhã.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Demonstrativos

-Eu sou isso, você é aquilo!
-Ufana o que é, presume o que sou.
-Eu, mulher, posso.
-Eu, homem, não posso apontar conclusões muito minhas.
-Não, não sobrevivo à tua filosofia...

De repente o céu desponta.

-Se estrela, minha constelação é tão diferente da tua.
-Ah, o universo é curvo para que nossas diferenças sejam próximas!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

É vida!

Menino brotou na manjedoura.

Cântico anuncia:
é vida!
Aquela estrela convida
os natalistas à ceia.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Súplica número um

A vontade que tenho não é de beijar-te
como nas escandalosas cenas de cinema.
É andar contigo pela orla.
Segurar tua mão e dizer:

“Apaga esse cigarro!”

Agora não posas de mulher.
Não me sorverás
como fazes com teu habitual café.

Será a menina de antes
dos dedos, olhos perdidos, colo exposto.
Permitirá a sujeição da dança:
Meu passo, teu tempo.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Sexo?

Quero pousar em você,
íntegra:
abraço.
(fundo e demorado)

te alçar nas entranhas,
angariar por dentro,
até te ditar o pulso.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Rio dos reclames

o Rio dos reclames: biquines, bares, boites
se veste e despe com as coisas do Rio
e rio... dos teus reclames!

M´Eu lírico

Sei só viver de poesia
sem literatura, aos dias
pintar, sentir, desvendar
sempre inventando existências.

Viver borbulhando romance
quero agulha do palheiro,
a uma em um milhão,
que valha por todas.

A vida só é simples sem compreensão
poesia é simples e dispensa compreensão
então quero ser lírico
com sentidos abertos e indefinidos pra tudo.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Abóbada

Olho na abóbada do céu
logo ali um país
e ora aqui era um tempo:
de se jogar bola na rua.

À ciência:
"a terra gira e é redonda",
é pelota que não pára:
venta todas nossas folhas.

Um menino que ontem me havia
acabou de chutar
sem saber que rodeava seu mundo inteiro.

Trato de esquecimento

“Finja que me esqueces
e juro que também o faço
E seguimos assim:
Justos e combinados.”

Perto de firmarem,
As partes pensam:
“O que será do pó que nos resta,
debaixo do tapete?”

E desistem do olvido tratado
Eis que assim converter-se-ia
em amor,
eternamente inacabado.

Pessoas Normais

Pessoas normais têm horário.
Seguem de férias à irrealidade,
aí volvem, casam-se, procriam
sorriem a todo custo a beleza da vida,
que se amarga ao hábito da crítica.
Suspiram até que a razão lhes arrefeça o coração,
E às vezes choram uma tristeza repentina.
Mas logo estendem guarda-sóis nas praias da alegria!
Pessoas normais fazem a fila andar,
sem direção, pois aí mora o prazer.
Espremem-se na folia
porque inexiste alegria vazia.
Pessoas normais são causalistas
causam quando chegam, quando vão, repartem-se.
e as vezes estudam fenomenologia:
espiam um raio, uma onda bater.

Pessoas normais não gostam de ser exceção.

Intróito

Pulemos esse intróito!
Tô assodado:
logo te cobrir de beijinhos.

Porque razão não introduz,
só encerra.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Amar incerteza

Me enamorei da incerteza
infindo mar, de marolas:
vou-me rindo;
aos maremotos sou feito triste.

Sem cotidiano:
não tem pão-com-manteiga,
nem mesa-posta,
nem mãos-dadas.

Amo mais incerteza
entremeia,
faz ao mar remoto:
brincando de estar longe de mim.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sobre minha poesia

Minha poesia não diz se, quem amo;
mas que é minha intermitente chama d´ amar.
Drama franco, parola romântica
vivível pra quem se queira aventurar.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Mutação Constitucional

Aquele verbo que fui
agora já não quero
mudei de semântica
pois o mundo, ora, é incerto!
doído, então, peço:
outro verbo que me constitua.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Quedança

La Danse, Henri Matisse


Seu quedar é diferente
mais pra lá do que pra cá
Pensa em vir na volta
e roda, só pra me brincar.

Fica assim, mais além daqui.
Um pouco ali, enviesada;
um passo atrás, e outro à frente,
adiantando ir.

E fica nessa onda,
de que vai e volta
pergunta vem, e vai resposta
Seu olho tanto brilha
que espero
na quedança ubíqua, do seu lugar.



Rendez-vous

- Que passou nesse tempo todo que não te vejo?
- Talvez o cabelo, mudei de casa, estudo alemão, a velocidade das horas...

- Essencialmente alguma coisa mudou?
- É... não, na verdade, não.

- Então deixemos passar mais tempo pro reencontro.

domingo, 22 de novembro de 2009

Desconcerto dos sentidos

Ritratto dei duchi di Urbno, Uffizi, Rodolpho Saraiva


Só te gosto insegura,
sem curso;
não por vaidade,
mas por lirismo.

Quero correr atrás dos teus olhos, fugindo....
Prefiro que nem olhes;
deixa que busco.

Os desencontros, os silêncios todos
são mais pura poesia,
que nada mais é
que desconcerto dos sentidos.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

diz espero, amor sincero

Espero o diz espero
dum amor sincero
Colhido no pé
inda verde

Nosso sentido
há de ser prévio
Dizer-nos-emos, de antemão:
-nosso amor é déjà vu de outroras!

Quero amar sem rimas
(desafinando, descombinando, ululando)
chorar descontido, e beijar incontinenti:
quando der vontade, feito adolescente!

Tomar as mãos, e dar-te à volta
por apreço,
sem qualquer paúra da gente se perder,
com ternura até o fim
(e depois dele).

Tão só, um beijo

Quando ficamos
e tu me dizes
"É só um beijo"
Fico assustado!

Um beijo é tanta coisa!
Cartase silente.
Pausa no tempo:
e levas meus lábios contigo.

Vejo teus olhos cerrados,
como te concentras!
Cres naquela infintude
E me dizes: "tão só um beijo"?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Pleonasmo

Dizer eu te amo
Duas vezes
Não é pleonasmo
É reiteração

Assim como:
“estrela no céu”
Quando se crê
Em estrela na terra

Muito menos: “céu azul”
Pois há dias em que o firmamento
demanda muita teimosia!

-Digo:
Nem toda flor é bonita;
nem todo sentido tem uma razão.
E nem tudo que se parece é redundante

Amo-te cada dia
Com o encanto novo
Duma novidade
Que sempre me surpreende.

domingo, 8 de novembro de 2009

Siqueira Campos

Rua que corta
aorta suja do rio:
esgoto corre
pessoas lá e cá do metrô
ônibus e moto-taxi
almas além do São Sebastião,
dark penadas à fosfo-night...
que medo dos Tabajaras...
mas no Peixoto há serena-paz.

coisas sujas e mais lindas:
bem no vértice do Cristo!

sábado, 7 de novembro de 2009

Cardiopata

O que arrebate meu peito?

penso, ao meu respeito...
uma inspiração,
faz veemente o coração!

se inspira aquela essência_eterna
que ao borde da noite visita
e salutar faz que palpita
[forjando que vai parar]

só cardiopata de mentira
vício-prazer de m´inspirar.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Precipício dois

Gosto quando fala em limites
dos minutos e distâncias
como se regessem nosso verbo.

Adoramos o limite:
que te alongo, me alonga.
Eu, teu, de fora.

Você, precipício cada vez maior
e mais e mais, faminto.
quando a fome gigante...

então me jogo: aperitivo.

Sertão niilista

Minha praia tá longe da tua
melhor,
nem tenho paia:
habito sertão niilista.

Lá a gota, afoita, é fumaça,
então, não há lágrima.
Faço tudo que apraz,
e me apunhalas como quer.

Cactus abraçados, amando ao avesso
nós e nossas sendas:
avertemos um São Francisco inteiro...
até que nossa canoa não-seja, na linha do horizonte invisível.

Injeção niilista

Mais ausente me sinto presente
sabotagem no teu peito
vazio, que nada!
espia da janela: tudo que passa não te será mais.

Injeto, sim, angústia
até que seja grito, e me alucine
saia doida, bêbada
traseunte da madrugada.

Quero que seja nada, sinta nada.
Não sintas.
Assemia só,
ao léu esquecida.

(Parei, faltou farinha.)

Niilismo em pós

O sofrimento niilista, por nada...
pó-de-nada,
que faz espirrar.

A balada niilista,
uma vibe sem artista,
ninguém se vê nem pega.

Uma linguagem niilista:
eu aqui, você aculá,
e a gente briga toda hora de se desencontrar.

Recurso

Ontem me encontrei pela rua
não me expliquei a volta
dos 360,
de impossibilidade de ser além do que é.

(Apud Clarice, Veríssimo...)

Noutra calçada, me revi seguindo
mesmo caminho:
hoje, prédios espelhados cercam as calçadas!

Carecente como outrora.

Aquela alma remete essa na inquietude.
Essa, só mais ciente da força do vento:
se tão forte, nos desarruma rumo novo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Versão

Versão única,
toda minha
do fato, da vida.
-aquilo é azul!

Versão tua,
às vezes parecida,
mesmo fato, outra vida.
-aquilo é amarelo!

Versões cruzadas:
correção cognitiva,
verdade? tão só, verso:
-isso é verde!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Azulas


Todas as sensações
Das mais azuladas
Dos céus cerrados
Dos mares depravados

Resides nesses tons:
das coisas e flores blues.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Precipício

Queria que nos amássemos
por  precipício
pre-ci-pi-ta-ção
(regra que foge à exceção)
precípites:
você se joga, eu também.

domingo, 11 de outubro de 2009

O Sapo

Coachando sincopado
bemol e sustenido
em pulo abstido
um cu-ru-ru ritmado.

Por que ficas à beira da paisagem?
-Sapo-modernista gosta mesmo de estiagem!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Paisagem número dois

Como rio que deflui
Invenção tua, imagem
meus olhos maiores
já te cabem.

Redunda,
essa beleza total:
minha paisagem.

Estranhos

Avesso de mim vejo
estranho me observa:
outro,
de manias incômodas.

Encontro,
mais perto
desentranho, inferno!
Estranhos somos espelho.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Qué es?

No sé qué es
Pero me gustaria saber
lo que es
Y compartir al mundo
Me gustaria decir: es una estrella
- o cualquier cosa que se pueda ver-
Pero no es.
No veo:
Mi corazón sufre miopia

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Capitalismo número dois

Um não ama tanto quanto outro.
Sempre há quem deve mais
cuja fome é maior
cujo amor mais egoísta.

O credor come o devedor feito pedaço de pão.

Capitalismo número um

O capitalista disse à amada:

-Namora comigo um dia? Emito um título e se torna credora da minha poesia.

Percebendo intuito de lucro, ela respondeu:

-Jamais, rentabilidade baixíssima!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Impassiva

És doce
(egoísta)
doce pro teu paladar.

Um amor lúcido?
não te cabe no seio.
mão no decote:
palpitação nenhuma.

De repente, um repente aí
que domínio de cordas!
ninguém chora tua viola
mesmo nesse abraçar.

Deserto no meio
decerto: defeito!
bem no lugar de acarinhar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sencilla

Me gusta hablar de cosas sencillas
Tan pequeñas que casi ni se oyen
Hablar del tiempo, de estrellas
del silencio de la noche

Me gustaria que fueras sencilla
Con el amor que nada espera
Poesia en los ojos
Sin deudas, sin dudas

Te espero pequeña
Llevaré tu corazón em mi mano
Tu brazo conmigo
Te haré sencilla.

[Mientras soy hombre debajo de ti
eres mi cielo, mi estrella.]

Primeiro ano, Haja Bossa!

Haja Bossa completa um aninho hoje. Verdade que sucede outro blog, novasbossas.bloger.com, que existiu de 2003 a 2008. Mas o HB é mais verde, experimental, mais produtivo, mais parceiro. Mais de 200 posts, praticamente um a cada dois dias. E tantos temas a serem explorados, sobre o que é nosso. Muito para compartilhar, aos olhos e ouvidos que nos alcancem. Ainda que seja uma troca entre nosso quinteto escritor e alguns admiradores fiéis, já terá valido a pena. Sobretudo com as bossas, que dão coerência à nossa paisagem.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pedido

Me falta fundamento, de convencimento
Ser carecente prescinde ser convincente
tão somente te replico, e suplico por deferimento
trata-se de mais puro sentimento,
ausente razão qualquer de pedir.

sábado, 12 de setembro de 2009

Equidistante

Minha poesia decadente
inda olha pro céu e te pede
estrela
oriente do meu sentido.

Meu rio corre,
açodado:
à margem estás
reforçando o curso.

Remota.
Eu levando tudo insuficiente.

Me brotara poesia
que diz agora "espia":
teu olhar atento é sol e fotossíntese.

Eu já nem me vejo,
sem teu espelho:
moldura a mim, "Poeta",
título que me faz refletir.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Loucura!

Loucura é rasgo de realidade
em tempo certo, irrefutável:
mal perplexo, logo temente.

Certeza invejável
de cem-razões
brado tão convicente.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Corcovado (legenda da foto)

Toda buzina, ônibus, taxi
gente,
no metrô, até debaixo do chão.

Toda Copacabana,
ambulante e dissonante.

Toda terra ruindo, na terra da bossa-nova.

Os prédios de quitinetes, por todo alto
subindo, subindo...

Sinal verde.
Espera na calçada.
Impaciente, rogando alento.

Ei-lo, sorrateiro:
"Meu cantinho de céu e o redentor."

sábado, 22 de agosto de 2009

Ambigua

Ambigua
me remete à língua...
até rima!
instrumento que nos aproxima:
sua língua nos dedos,
então na minha tela,
nos meus olhos,
enfim na minha boca.

Entendi Neruda: "tengo hambre de tu boca!"
(as palavras dão ânsia de beijo).

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Moldura

Meu amor caprichoso não se aprisiona
na tua,
procura sempre quadrantes mais celestiais
gabola com essa vaidade...

Vale pintura
faz-se à tintura
sem molde:
tontura, arte pela arte.

Jogo cores pela rua,
disperso na soltura,
esvaindo em tintas, ´inda carecente doutra moldura:
espaço de afeto que me cabe.

Silogismo do querer

Quem só gosta de ser quisto
Não gosta do querer
Que mais quer do que é quisto.

Quem quer por balanço,
não topa prejuízo
então mais ganha do que dá,
e nada seu projeta, por isso.

O querer bonito é mais fluído
feito brisa volante:
te traz, leva, traz, leva...
te leva!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Eclipse

A lua engolida me dizia:
"me falta um todo de compreensão"
Só cheia se faz entendida.

Ainda o esclipse, amarelíssima...
compensando a falta do prata que não tinha.
A lua é prata.

Só amarela no afã de se mostrar
anti-natural!
Natureza de lua é ser achada...

Vaidade sorrateira:
só aparece pra quem se esquece da vida
tem tempo de sobra pra s´enamorar
e sinta-se ausente, para que só ela, então, exista.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Manisfesto sobre a crítica

A crítica sempre é desconstrutiva. Desmonta a estrutura que não gosta. É caprichosa: não quer, porque não gosta. E gosto não se discute. Então, é soberana, acima de todas as coisas. É o veneno que se nos escorre nas entranhas. Às vezes sobressai, reluzente. Mas de perto é tão somente crítica. Ambiciosa pelo alvo, inapta na própria existência.

Contentamento mora ao lado

O contetamento mora ao lado
felicidade na vitrine
beleza anestesista
se vê, nem sente.

Igualmente:
abismo de dois exilados,
um sofrimento intangível.

Distância física é amparo, quando basta esticar o braço...

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Blasé

,Impassível dor ou sereno
Sem-sabor-das-ondas
Pasmaceira, ligeira:
Pamonha, pamonha, pamonha.
Andorinha em mim da vida que poderia ter sido.
Surto: ton-sur-ton pastel.
De tom sem rubor algum.
Sem calor de grito ou rasgo.
Mudo, vermute, dorminhão.
Tédio régio, enfado sublime.

Blasé, comme je peux?

quinta-feira, 23 de julho de 2009

delírios febris

A quase quarenta graus
decomposto em formas indesenháveis;
mais:
invenção da geometria,
por suor e patente.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Legado

De tudo que parte
sobra: poeira sobre a cômoda
(encobre a fotografia da lembrança).

De tudo que arde,
arrefece
a cinza que um dia foi chama.

De tudo que se deixa, legado
nem de amor ou rima:
uma semente em ti,
reflexiva.

sábado, 4 de julho de 2009

À musa-que-te-pariu

Musa, deliciosa...
deixa... ingratona!
Dona que imagino desnuda
muda, sem véu dessa falseta.

Ao léu da trombeta
parte, em parte...
queda, não arreda!
Meu gracejo é pura arte:

-Bunda que abunda, ó musa!
Minha, corrupta... arritmia... cardio-vascular.

Ela soslaia, me querendo zombetar:
"à musa-que-te-pariu, poeta."

Terno ao absurdo

Vontade não me falta
de tomar-te a mão
à meia-volta
sem qualquer explicação.

Durante tua passagem
arrebatar-te com coragem
criminosamente urdo
terno, ao absurdo.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ás de paus



A maior invenção do mundo:
do atrito à faísca.
União consumativa:
o fogo nos une até cessar.

Máxima número um

Você não é

o que você pensa
o que você come
o que você sente
o que você conhece.

Você é o que você se safa.

sábado, 20 de junho de 2009

Morena-dos-olhos-d´água

Quando sua maré se enche
fico por baixo
das incertezas
que apertam o seu passar.

E se desvio, quando espia
é porque gosto de vê-la sem me notar:
minha apnéia,
cara-a-cara com teu mar.

Aí nesse pé-pé de ondas
Você se aborrece
"ah... cara, vê se me esquece"
(porque sou temente de me afogar).

segunda-feira, 15 de junho de 2009

No meio da lagoa

Pedalei até alçar
um pedaço de nada
no meio daquele todo.

Cristo, morro
prédios, luzinhas no escuro
estrelas caindo
carros zunindo.

de repente, fiquei
particular e universal
solitário e acalantado
ermo no seio do movimento.

Pulsei alguns minutos
nesse cenário quase batido
encontrei um canto:
em meio a isso, sobre as águas.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Lapsos

Encontraram-se
lapsos
somaram-se
bem fundo.

Encantados:
sem ambição de preenchimento.

domingo, 7 de junho de 2009

Flerte introvertido número dois

Descoberta sorrateira de olhos
que te olham
num átimo
se perdem de ti.

E já arrefece, fenece...
-não, esquece!
Treloso,
foi só pra incitar.

Estímulo gostoso de não querer avançar.

Ralo

Pelo ralo, foi-se nosso amor
e as certezas universais
escoadas com singeleza
à borda, um rastro.

Solidão
é um vazio que se nos preenche
o invevitável raso
do que já foi sem nem ser.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Introspecto número dois

Intimista-brincalhão,
em marés tão suas
ao largo dum oceano:
dans son île.
Remoto,
não se lhe interrompe:
buzina, grito, nome que chama.

Imanado em si.
Aventura introvertiva nas entranhas.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Enfim, beijo!

Desencontradas mãos
palavra palpita
hesita...
e falta!

No abismo-entendimento
fez-se ponte:
enfim,
beijo.

domingo, 31 de maio de 2009

Sentença sobre o fundamento

Pouco importa "por fim". Lindo é "por quê". O jeito como fundamenta, mais me diz. Se dá volta, e balbucia. Se cala, espia. Se recorre à exemplos, à experiência. Ou se teoriza tudo, num momento. É pequena a conclusão diante da formosura da explicação. A sentença é o fundamento. E me sentencia, sem dizer que sim ou que não.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sentença sobre a forma

A forma, molde das abstrações. A massa assada numa fôrma de coração. As idéias ousam concretude nas palavras, às vezes se libertam, outras se prendem: tudo culpa das curvas de semântica. Forma demasiada é ditadura que rege todo suspiro. E naturalidade se esvai. A fonte, o parágrafo, o rodapé, o cabeçalho, a régua margeando a rubrica. Tudo é forma de se complicar quando excede o mínimo de necessidade. A métrica, as rimas, o movimento, a contra-cultura. Sem cautela, assenhoram-se de nossa eloquência. A regência da estética, da beleza que nos encanta, mas que às vezes é puro prejuízo: sumariza o indivíduo. Por isso, é inválida toda regra que empobrece o conteúdo.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Embaralhado

Você me deixa embaralhado,
confuso no carteado,
quando me vem:
minha Princesa de Copas!

Meus ases a postos...
morro de medo se te jogo:
nem te consigo fitar!

Poema Marginal número um

À margem de todas as coisas,
rio, tudo que flui
deitado na calçada, do que passa
rua
rumo das gentes,
pedinte de pensamento:
sou poeta marginal
à espera d´algum sentido.

Frozen Yogurt

Você me desce geladinha
mis papilas les gustan
sabor do Frozen, sem-sabor do Yogurt
E me remexo no tacho,
catando lichias:

-You Gurt me too, dear!

Naquelas tardes, em frente ao pão-de-açúcar.

domingo, 17 de maio de 2009

Domingo

Domingo é póstumo
é desculpado
é desapressado
-Domingo é anômico!

é santo
é fingido
é estagnado...

Dolce far niente
a gente se sente
pesando no meio de nada.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Amôdernoso

Modernosos e afins,
uma camisa por dia da semana,
a gente se ama, feito um Koni:
enrolados, em liberdade!

Não se quebra a cara
"é rara a rima",
não fica em cima...
A fila anda!

Reciprocamente avisados:
"nem panela nem tampa".
Mas hermeticamente cerrados:
até cessar a chama.

Flerte introvertido número um

Olhar pra você é difícil, tão invasivo.
Arte sem pestanejar.
Ameaço um estilo: ponho-te no meu colírio.
Minha retina se enche de te pensar.
Com resguardo, de resvalo espio:
vacilo às vezes te secar.

Paisagem número um

Estupefato, na paisagem
vejo você:
um dia em estiagem,
painel da guanabara.

O pão-de-açúcar me brota incomum
feito você
ocorrência que lê
enquanto te escrevo.

Ouso verso e transbordo,
sobre o abismo calado,
entre tua mesa
e minhas linhas.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Dança-de-cadeiras

Viver é dança-de-cadeiras:
Perde quem sentar por último;
ganha quem ao tempo certo
toma o seu lugar.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Confeito



A vida é um confeito,
várias cores, mesmo sabor.
Desfaz na boca,
e logo faz esquecer o açúcar.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Introspecto número um

Espalhados os olhos por dentro,
intangível pensamento:
aventura única em mim,
que nem cessa o atropelamento.

Os figurantes fitam
o transeunte desvairado,
aos largos na rua,
os passos que se me multiplicam.

Não há vento que me arraste uma folha
sou árvore,
sólida na minha certeza calada.

Urgência

Minha urgência engole
a preemência de protocolos e afins
sem zelo, ama em pelo:
só sabe dizer sim.

Acrobata,
velocista de pista molhada
não quer saber de próxima parada:
só quer estrada, enfim.

insípida.
Fome, sede.
Avassala em frente:
sacia sem rima.

Rasgo, guimba, palha, esquina.

sábado, 25 de abril de 2009

Cavaleiro-de-copas



Debaixo do céu enevoado,
firme designo
sobre o rocinante.
de escudo, bom naipe:
coração.

Contra o bafo gelado dos moinhos
Espadachim esferográfico
espalha seu verso sem rima,
aos sete-ventos:
semente.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pérola

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Poesia nasce do conflito,
atrito:
areia na concha.

E causa uma pérola.

Correnteza

O que te arrasta a flor?
Quis saber da tua correnteza
e me falas de certeza
duma proteção que vem e te arrebata...

E cá te vejo hirta
cobiçando aventuras em abismos
nessa sandice de atiramento que proponho.

Ao capricho do rio, quê margem?
À margem do seguro!
somos incerteza, correnteza:
bastamos ir.

Segura!
Que nesse rumo te levo, sem prumo.
Ô rio!
Desvario sabor de arrastar.

Mineiramente

Mineiramente, espia!
À fresta da porta
silhueta feminina
espalhada sobre a cama.

Negócio sorrateiro
Toma-se em particular,
a verdade tem seu preço,
e tempo também.

A porta se abre:
quem apraz se deita.
A verdade é direito dum qualquer:
a todos iguais.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Amor-de-caixinha-de-música

Sobre a cômoda, numa caixinha
às vezes se põe a tocar:
distração de ouvir música,
espiar a bailarina convicta no ritmo.

Depois, guarda.
Não se cabe de lembrança-morta;
ou esquecimento-vivo?

Não.

Toca só mais um pouquinho!

Roda de novo, roseta na retina.
Cintila disso tudo um pouco, em átimos seguidos
com sabores de diferentes nostalgias
(acre, doce, amaro).

Enrubesce: pensamento fixo.

Fecha mais um vez
seu amor resignado
despropositado álbum:
retratos de emoções fortuitas.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Contribuição de leitores um

O insustentável peso do ser

Era racional demais para entender a vida. Na verdade, era ainda mais problemático o seu caso: repudiava o abstrato, mas, um pouco menos que o ilógico. Não sabia porque havia nascido, nem crescido, e cansava a cabeça quando tentava achar um seguimento, se quer, de lógica no universo. Se perguntava o que faria quando morresse e o que havia feito antes de nascer. Tinha dúvidas também em o que deveria fazer neste intervalo entre o começo, e o fim da vida: a própria vida. Concluía, por vezes, que se a vida fosse mesmo efêmera, como repetem os homens, deveria largar os martírios e se dedicar à vagabundagem. Para que, afinal, estudaria, trabalharia ou choraria, se poderia escolher caminhos fáceis para viver? e já que se trata de tão curto período a vida, e tão frágil, não seriam insensatas as coisas caprichadas? Deveria, então, viver até o instante em que morreria. E acabaria. O problema, tão intruso em sua rotina, é que às vezes pensava na vida de forma diversa. Também imaginava que a vida poderia ser uma passagem, rápida ou não, mas que teria uma continuação, que haveria encontros, a vida sendo respondida! a hora em que conheceríamos todas as respostas, de todas aquelas dificuldades passadas. Haveria encontros, felicidade e uma certa vontade de voltar a viver, e acertar. Agora parecia muito fácil. Mas de uma coisa sempre soube, sempre levou consigo: que não há nada menos democrático que a vida, para aquele que nasce, mas que, ainda assim, não há desperdício maior do que o ser humano que pensa em azar, e não em sorte.

Lenita Bandeira

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Metade

Uma parte de mim te afirma
cotidianamente
Outra parte me nega
Pelo vacilo de não me pensar

Uma convicção à escura
mas tantas dúvidas por conselho
Em verdade, há verdade só no meio:
Inside.

Reza à paz
Que teu alento um dia traz
e cai, de cima, alguma rima
Que prive o teu penar

Em parte, à metade,
esvai
No todo não somos
Nunca seremos jamais.

Rio de outono

Gosto do Rio pelo avesso
Com chuva e frio
Com cara de São Paulo
Gosto desse lado que desconheço

Gosto da pavorosa ressaca
Invade ruas e avenidas
Espanta o banhista:
Belas odes de netuno!

Gosto de casaco e calça comprida
Passagem apertada e recolhida
Tão protegida
Dos ares gelados de beira-mar

Gosto desse Rio diferente
Tal qual um pedaço da gente
Que ninguém costuma navegar.

domingo, 5 de abril de 2009

(Meu) Lento alento

Lento alento
que se me arrasta à face
a espera ferina que me arde,
que me fale!

Arre o vento,
brando tempo, da angústia
sopra folhas
de monotonia.

Chuvisca por dentro,
intento esparso,
que nem me sabe,
do que antes me varria.

Espalha, avante
minha semente
junca senda, que não se ofenda:
minha plantação.

sábado, 28 de março de 2009

Notivagando no sábado

Meia-noite de sábado me sinto ubiquo
por todos os porres, bares, festas vazias
em todos amores, motéis e luas

Sábado à meia-noite
Me espalho
não me caibo de inquietude

Navego pela orla
Acesso janelas
Cada luz acesa é uma vida de possibilidade
Cada bréu é uma libertinagem

Sábado escurece e o mundo acontece.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Sobre o universo das percepções

Universo das percepções,
o que importa
é sentido aferido
das peculiariedades universais.

É o resgate
do rasto rompido,
antes seguido, por alguém
que amou a sensação de colher.

Nisso, entorno
palavra-veículo
da beleza daquele sentido,
que a técnica é incapaz de tolher.

Dedicatórias



Perdido, num sebo
roçando estantes
Um Neruda - "20 poemas de amor,
e uma canção desesperada."

Dedicatória:
de Glória para alguém.
"Falta romance no mundo"
Há 13 anos.
Quis esquecer todo conteúdo
para fixar o paralelo das dedicatórias;
efeito desejado e concreto
que se dá ao livro.

Neruda foi a seta lançada n'algum coração
que não viu mais sentido
nos 20 poemas de amor
E, sem desespero na canção,
passou adiante..
Cinco reais.

Hoje remendo Glória,
refutando Neruda:
"Falta romance no mundo, y
NO me gustas quando te callas.",

(dato e assino)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Vilpêndio

Olhei num compêndio
pra saber que é vilipêndio
de semântica não sei,
mas sou capaz de sentir

"Estou vilipendiado"
papel picado
do roteiro que me escrevi.

Às vezes granulado,
outras exaltado:
vi que Pessoa também foi único vil do mundo.

Engraçado.
Agora o papo é outro:
A vileza também pode ser tamanha,
e a alegria de uma pequeneza fanha.

Não é ode triste, mas viva!
que tem cinza lindo,
pra quem sabe ver
o degradê colorido.

Revolução Solar

Após um porre e seguinte ressaca de euforia, o poeta sai do armário. Caipirinhas, uma big band de gafieira, uns passos de salão. Depois, choveu sem parar dentro de si, encoberto pelas mais íntimas nuvens negras. Nublado sem razão, o céu de outono que começa. Por dentro, tudo igualmente nublado: aquele nó-de-garganta, um embolado no peito. Não é coração, bobagem, descobri que é pulmão: brônquios. Exigem respiração sempre ofegante, e não há Yoga que ensine a conter. O brônquio de cada um tem seu tempo. É nossa percussão, tal qual a da banda. Se é dor, vai mais lenta, arrastada, canção. Se euforia, fugaz, esporte radical, um vôo de asa delta. Por isso adoro samba: traduz todas minhas nuances e oscilações. Fez-me descobrir dançarino-requebrante especialmente quando caí no chão. E também assim me descobri poeta, pois quem suporta sofrimento, pode amar sem medo. Poeta é quem ama sem medo, mas se tem medo, grita. E se foge, é pra se achar. Sambando, senti-me parido, de novo, aos 21 dias de março de 2009.

sábado, 21 de março de 2009

Aniversariando com alma

Maior prazer da vida
é ver-se em alma reconhecido,
e sentir-se eternecido
coração mordido de verdade.

É, coberto pelos amigos,
chover sem atino,
águas de março:
inaugurar novo sentido.

É sentir-se um menos errante
arietino ardido,
e dizer-se:
"je me dessine un mouton".

Estar almamemente compenetrado,
com todo cuidado
soprar velinhas,
perdoando do Tempo, a invasão.

É roubar os anéis de saturno,
na grande volta, dos 28
sambar gafieira
até a orquestra quebrar.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ubiquo na Avenida Paulista

No meio da Avenida Paulista
Zoológico de gente solta, no meio da rua...
Eu, do meio do mato:
urbanóide liberto!

Passos apressados, beijos sem par
mas um presente:
sensação de pertencimento,
"-faça sua tribo!"

Patino naquele asfalto...
procuro:
depois da estação do "corte-cantagalo",
uma "Trianon-Masp"

Pronde me arraste sintético
ainda com celeumas de sempre,
agora minimizados:
na mochila.

Ubi

Ponte-aérea, Rodolpho Saraiva
[meu espaço é imanente ao incerto
está acima das celeumas inolvidáveis da (in) existência]
meu recanto não é fuga
é utópica realidade de paz
é brisa serena
são doces águas calmas
verde, verde, verde

domingo, 15 de março de 2009

Desprocurados

Borbulhamos um devaneio.
De repente o vento, explode!
películas
fragilidade preciosa, levada.

Sem constância duma vida longa.

Intensidade: tese, assusta.
Realidade fere, quem desatina.
Nossas locuras são, então, comedidas
à espera do dia seguinte,

(um café-da-manhã).

Tramamos alguma coisa
noutro plano,
mas não nos achamos,
nem nos queremos mais procurar.

Nesse amar desalento,
incomoda tanto senso,
quanto rebento,
que não se quer aleitar.

Perspectiva de vôo

Escolhi corredor por acaso. Ao meu lado, mãe e uma filhinha falante. Lembrei-me da paisagem, e queria silêncio. Ao fundo da aeronave encontrei um assento-janela vazio. Mas por erro de cálculo, era lado oposto à vista. Vi então, de subida, o pão de açúcar, o redentor e copacabana, num contorcionismo, de olho no quadradinho do passageiro da fileira ao lado. Mas foi suficiente para aumentar a umidade relativa do ar do céu da cidade-de-primeiro-de-março. Estava ali, repleto, fluente, saudadoso, mas ansioso pelo cinza-pálido de São Paulo.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Milk shake de nutella

Imagem do Google


Há um nó esganado na faringe
Amor arde no gogó
(Dor de garganta)

Meus olhos-avelã marejam
sobre a mesa:
um milk-shake de Nutella!
(Gelado, amansa o papo.)

Quem vê o pranto, vê a alma.

Então, a fim, desnudo,
coberto pela ternura do teu abraço.
(Que laço!)

Sorvo e planjo.
É pela calda de chocolate que te amo!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Luto de cinzas

A marcha de alegria segue calada. A liberdade em despedida. A gente se espalha, agora se recolhe, segue passos firmes e murchos, sem aquela cadência ritimada que atravessa o tempo. Carnaval é uma entidade que paira. Naquele salão, na Avenida Rio Branco, quantas gerações figuraram a mesma brincadeira de desfantasiar-se, no mesmo som. Um carnaval não começa nem termina: segue o outro, numa linha paralela do tempo, feito trenzinho dos bailes. E vão todos juntos, sem propósito, sem espera, bem criança. Quando acaba, vem um luto ardido. Toda sobra é vertiginosa e descedente. Nos arrebata melancolia, quando jogamos a ultima rosa sobre o caixãozinho de retrato dos foliões.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Maiêutica número um

Poesia nasce por teimosia,
na insistência assêmica...
onanista!
E desponta alguma coisa no limiar da ausência.

Própria vida
que se nos apropria
vistoso ou não
hemos de parir o rebento

Às vezes já morre na garganta:
rastro ridículo, ininteligível
com uma razão nova,
que deturpa a origem.

Comoção em massa

Na multidão, todos se perdem. Despedem-se do pensamento, o sentimento, o propósito. Por um instante se pensa "que estou fazendo aqui?". De repente, absortos pela comoção em massa, sentimos um só pulsar, uma só alegria, somos a multidão, a torcida, desprovidos de qualquer unidade. O filme de comédia, menos engraçado, nos incita o riso porque salpicam gargalhadas na sala escura de cinema. No Maracanã lotado: ola, gritos rimados, e a sensação de torcedor se perde, exigindo que às vezes se torça pelo Flamengo em casa, trancado no quarto. Na comoção da folia carnavalesca, a alegria não é nossa, surge pela química-fisica. A proximidade dos corpos resulta algo muito além da soma matemática. E nesses sentimentos que se nos incorporam, todo mundo se irrita com a dúvida de que não haja colombina, arlequim e pierrot. Mas amor de carnaval é coletivo, nunca de um só.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Retrocesso das horas

O tempo então se ganha
rebobina a hora
de novo, em face da bifurcação:
toma-se o outro caminho.

Mas logo se vê
que passos são passos, estrada é tudo igual
o resultado de chegada, pessoal:
em algum momento vai se estar só

De todos remendos,
o melhor está feito:
o que não se pode mudar.

O retrocesso das horas é puro tormento:
em pensamento volvemos,
pra apertar o nó.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Arrefecimento

Arrebate do fogo intenso,
combustão repentista
faz à alma rima
irresistível.

Os olhos palpitam,
às labaredas acesas,
se ardem ou não:
achega e tosta um marshmallow.

E no trato jocoso
arrefece o fogo.
Os pulmões cheios de cinzas
expiram com pesar.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Protagonismo

Folhas brancas arrepiam
Aquela ânsia da estória pronta;
Os varais das entrelinhas vazias
aflitos por idéias ao sol.

Das teses felizes, a mais lúdica desponta:
"seja protagonista da tua vida".
Ainda que noutras figures a multidão;
demais perspectivas lhe são alheias!

Teu texto sai de improviso;
Em cada capítulo, de fim insabido, arte:
dominar teu palco,
intersecante doutros.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Assemia número dois

De repente ruiu o concreto das certezas
ao prazer da tormenta
e não há notícia de qualquer base sólida de arrimo.

Repetino,
puguista imperceptível,
o destino,
o bolso esvazia.

E sem desaponto,
impassivos à obra,
erguemos novíssimo arranha-céu
ao limiar do firmamento!

Ou então ver com brandura:
chapisco aqui, aculá
a estrutura ruinosa resiste
ao nosso contentamento.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Saudade

Cruzei com teu vulto pela rua
fui atropelado por uma saudade tanto fria
de razões que não se sabe ao certo
do que se foi,
e até poderia

Saudade do que não se sente
nem se viu
pretérito inexistente
que partiu.

Também prospectiva
próxima curva, uma sina
alucina:
Eu te amaria pra sempre!

Saudade que não ama...
um caos!
vão fundo do poço dum buraco negro.

Saudade que ama, cosmo
átomos pedintes, em fila
agitados por um "sim".

Saudade, na verdade
não se cabe
num peito,
numa vida.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Tautologia do amor

Amor se clama,
ao primeiro desgoto, reclama,
enxota,
e depois espera que volte
abanando o rabo.

Aqui, com tons de amizade
Ali, uma saudade,
vício constante de pensar,
sem qualquer razão.

Contra-ponto.
Não se sabe se veio antes angústia ou amor.
Um pra dar causa ao outro,
outro pra remediar um.

Quando se tem domínio
é bom, mas é pouco:
insatisfação pelo não arrebatamento...

Quando não se domina,
ruim, mas gostoso:
a delícia do contra-senso.

Amor com raiva, com mérito
amor determinado, ou ainda:
não planeado.

Todas as formas em que é:
pura tautologia.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Maysa



É impossível classificar aquilo que não integra gênero algum. E Maysa fazia questão de ser inclassificável. Isso acabou lhe trazendo ônus de ser louca, bêbada e escandalosa. Viciada na fossa, também bebeu a bossa. Um paradoxo. Isso porque, sempre na história, um movimento surge negando seu antecessor. Assim, a bossa nova se impulsionou refutando a temática depressiva dos sambas-canção, sempre cheios de tragédias, amores irrealizados. Trouxe o ouvinte à praia, ao sol, e tantas possibilidades leves da vida. É novo, moderno. Maysa, inspirada na tradição das grandes cantoras, como Elizeth Cardoso, entrou no barquinho. Transitou nesse antagonismo, como se fosse um desafio, a quem era, essencialmente, antagônica. Quanto à minissérie, valem elogios. Críticas vão existir, seja porque se mostou pouco do lado negro da artista - ou o contrário - deu-se ênfase demais à sua personalidade conturbada. Há também quem não goste simplemente porque é minissérie da Globo. Ou porque não vê televisão. Saindo da imprecisão inerente a qualquer reprodução, não há como não reconhecer o mérito visual e auditivo. Indo além, a trama prende, embora se saiba o fim, ou não se saiba. Para muitos, Maysa é desconhecida, personagem de ficção da obra de Manoel Carlos. Mas sua música é tão pungente. Sua lembrança, quase apagada, também. De tudo, não se pode negar que o saldo é bem positivo. Até pra que se entenda que antagonismos podem ser cheios de harmonia. E bossa não é antítese de fossa, basta ver a letra de dois de seus maiores sucessos, "Demais" e "Preciso aprender a ser só", respectivamente de Tom Jobim e irmãos Valle. Prova de que o barquinho também porta nossas contradições.

Felicidade é busca

Acima de todos os mistérios que nos permeiam, aponta um letreiro de neon: "felicidade". Pisca mais forte, a medida que o bréu aumenta. É o afluente de todas as nossas águas. Também o é para o depressivo, pessimita. Esses pirraçam a falta de felicidade. Aliás, neles a felicidade se torna um peso tamanho, que é mais leve ser triste. Felicidade tende a ser obrigação. Os sóis de praia, as luas cheias-de-amor, tudo que deponta, no verde da mata, no azul do céu e mar, nos exigem um sorriso. Felicidade é busca. Alguns conhecem seus objetos de realização, outros seriam felizes se apenas soubessem o que é. Felicidade brota de uma ausência, uma incompletude. Saímos a caça da peça faltante. Mas será isso? A conquista, então, uma etapa rasa, que se esgota no prazer do alcance. Só. Depois, retoma o buraco, novas necessidades. Felicidade é obrigação, sobretudo a quem tem "dois braços e duas pernas". Mas exige definição, meta, disciplina. É prazer dos bem-sucedidos. Ou exige coisa alguma, um desprendimento total, um quintal com galinhas, árvores fruteiras, uma rede. Em parte, é uma pendência, futura ou pretérita. Um dia fomos felizes, um dia seremos. E de repente, nos engana, e não é nada disso. Se perfaz justamente na ausência presente. O querer que a rege pode ser uma seta, às vezes envenenada. Nos cisma em rumos que supomos realizantes. Mas nem tudo é questão de caminho, questão de querer, ou alcance. Talvez caia do céu o maná.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Psiquiálise

A natureza estática das coisas não carece compreensão.
-pedra!
ou o que para no ar:
beija-flor, pipa, estrela.
Pra tudo que não se interessa pelo movimento

Bastam olhos atentos.

Outra estática repele apelos
Do que não chega
Do que não se sabe, ainda:
violão, dançar, amor de cinema.

A gente se zanga, mas resiste na imaginação.

A inércia é dicotômica
às vezes nos vem, às vezes nos vai:
aí, “psiquiálise”
o efeito paralisante da capacidade humana de entender.

Apnéia número dois

Tinha brônquios que só funcionavam apaixonados. Oxigênio só era bem vindo se a respiração fosse ofegante. E a vazão de CO2 era tamanha. Nociva aos projetos de ecologia. Respirava com paixão, ou melhor, esse era seu ar. Respirava paixão. Só assim. Porque o inspiro deve se apaixonado. Fonte de inspiração. E nessa necessidade vital de energia, que lhe alimentasse as artérias, aprendeu a não respirar quando não houvesse ar. Inventou sua apnéia, hibernando nos invernos dos sentidos.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Nefelibata

O céu carregado de sutilezas delirantes fazia brotar estrelas póstumas, de seis pontas: uma lembrança, um esquecimento; assim sucessivamente, até que formassem três pares antagônicos. E o menino observava o fenômeno, atento à distância, mas sem aferir o tempo. Sem saber do tempo, a regência mor do universo. Sempre à beira do abismo do subsequente: um dia acaba. Precipício. Mas o tempo também é ficção. A estrela que brilha cá se apagou em algum lugar. Mas, como saber? Vale, então, ser nefelibata. Alheio à precisão da matemática, acreditar que o feixe alumia perene, a partir de uma certeza doutro plano. Crer que a realidade é só uma massa de modelar, a serviço da invenção. E, assim, sigo convicto nesta constelação a qual o céu dedica um espaço só meu.