(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Saudade

Cruzei com teu vulto pela rua
fui atropelado por uma saudade tanto fria
de razões que não se sabe ao certo
do que se foi,
e até poderia

Saudade do que não se sente
nem se viu
pretérito inexistente
que partiu.

Também prospectiva
próxima curva, uma sina
alucina:
Eu te amaria pra sempre!

Saudade que não ama...
um caos!
vão fundo do poço dum buraco negro.

Saudade que ama, cosmo
átomos pedintes, em fila
agitados por um "sim".

Saudade, na verdade
não se cabe
num peito,
numa vida.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Tautologia do amor

Amor se clama,
ao primeiro desgoto, reclama,
enxota,
e depois espera que volte
abanando o rabo.

Aqui, com tons de amizade
Ali, uma saudade,
vício constante de pensar,
sem qualquer razão.

Contra-ponto.
Não se sabe se veio antes angústia ou amor.
Um pra dar causa ao outro,
outro pra remediar um.

Quando se tem domínio
é bom, mas é pouco:
insatisfação pelo não arrebatamento...

Quando não se domina,
ruim, mas gostoso:
a delícia do contra-senso.

Amor com raiva, com mérito
amor determinado, ou ainda:
não planeado.

Todas as formas em que é:
pura tautologia.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Maysa



É impossível classificar aquilo que não integra gênero algum. E Maysa fazia questão de ser inclassificável. Isso acabou lhe trazendo ônus de ser louca, bêbada e escandalosa. Viciada na fossa, também bebeu a bossa. Um paradoxo. Isso porque, sempre na história, um movimento surge negando seu antecessor. Assim, a bossa nova se impulsionou refutando a temática depressiva dos sambas-canção, sempre cheios de tragédias, amores irrealizados. Trouxe o ouvinte à praia, ao sol, e tantas possibilidades leves da vida. É novo, moderno. Maysa, inspirada na tradição das grandes cantoras, como Elizeth Cardoso, entrou no barquinho. Transitou nesse antagonismo, como se fosse um desafio, a quem era, essencialmente, antagônica. Quanto à minissérie, valem elogios. Críticas vão existir, seja porque se mostou pouco do lado negro da artista - ou o contrário - deu-se ênfase demais à sua personalidade conturbada. Há também quem não goste simplemente porque é minissérie da Globo. Ou porque não vê televisão. Saindo da imprecisão inerente a qualquer reprodução, não há como não reconhecer o mérito visual e auditivo. Indo além, a trama prende, embora se saiba o fim, ou não se saiba. Para muitos, Maysa é desconhecida, personagem de ficção da obra de Manoel Carlos. Mas sua música é tão pungente. Sua lembrança, quase apagada, também. De tudo, não se pode negar que o saldo é bem positivo. Até pra que se entenda que antagonismos podem ser cheios de harmonia. E bossa não é antítese de fossa, basta ver a letra de dois de seus maiores sucessos, "Demais" e "Preciso aprender a ser só", respectivamente de Tom Jobim e irmãos Valle. Prova de que o barquinho também porta nossas contradições.

Felicidade é busca

Acima de todos os mistérios que nos permeiam, aponta um letreiro de neon: "felicidade". Pisca mais forte, a medida que o bréu aumenta. É o afluente de todas as nossas águas. Também o é para o depressivo, pessimita. Esses pirraçam a falta de felicidade. Aliás, neles a felicidade se torna um peso tamanho, que é mais leve ser triste. Felicidade tende a ser obrigação. Os sóis de praia, as luas cheias-de-amor, tudo que deponta, no verde da mata, no azul do céu e mar, nos exigem um sorriso. Felicidade é busca. Alguns conhecem seus objetos de realização, outros seriam felizes se apenas soubessem o que é. Felicidade brota de uma ausência, uma incompletude. Saímos a caça da peça faltante. Mas será isso? A conquista, então, uma etapa rasa, que se esgota no prazer do alcance. Só. Depois, retoma o buraco, novas necessidades. Felicidade é obrigação, sobretudo a quem tem "dois braços e duas pernas". Mas exige definição, meta, disciplina. É prazer dos bem-sucedidos. Ou exige coisa alguma, um desprendimento total, um quintal com galinhas, árvores fruteiras, uma rede. Em parte, é uma pendência, futura ou pretérita. Um dia fomos felizes, um dia seremos. E de repente, nos engana, e não é nada disso. Se perfaz justamente na ausência presente. O querer que a rege pode ser uma seta, às vezes envenenada. Nos cisma em rumos que supomos realizantes. Mas nem tudo é questão de caminho, questão de querer, ou alcance. Talvez caia do céu o maná.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Psiquiálise

A natureza estática das coisas não carece compreensão.
-pedra!
ou o que para no ar:
beija-flor, pipa, estrela.
Pra tudo que não se interessa pelo movimento

Bastam olhos atentos.

Outra estática repele apelos
Do que não chega
Do que não se sabe, ainda:
violão, dançar, amor de cinema.

A gente se zanga, mas resiste na imaginação.

A inércia é dicotômica
às vezes nos vem, às vezes nos vai:
aí, “psiquiálise”
o efeito paralisante da capacidade humana de entender.

Apnéia número dois

Tinha brônquios que só funcionavam apaixonados. Oxigênio só era bem vindo se a respiração fosse ofegante. E a vazão de CO2 era tamanha. Nociva aos projetos de ecologia. Respirava com paixão, ou melhor, esse era seu ar. Respirava paixão. Só assim. Porque o inspiro deve se apaixonado. Fonte de inspiração. E nessa necessidade vital de energia, que lhe alimentasse as artérias, aprendeu a não respirar quando não houvesse ar. Inventou sua apnéia, hibernando nos invernos dos sentidos.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Nefelibata

O céu carregado de sutilezas delirantes fazia brotar estrelas póstumas, de seis pontas: uma lembrança, um esquecimento; assim sucessivamente, até que formassem três pares antagônicos. E o menino observava o fenômeno, atento à distância, mas sem aferir o tempo. Sem saber do tempo, a regência mor do universo. Sempre à beira do abismo do subsequente: um dia acaba. Precipício. Mas o tempo também é ficção. A estrela que brilha cá se apagou em algum lugar. Mas, como saber? Vale, então, ser nefelibata. Alheio à precisão da matemática, acreditar que o feixe alumia perene, a partir de uma certeza doutro plano. Crer que a realidade é só uma massa de modelar, a serviço da invenção. E, assim, sigo convicto nesta constelação a qual o céu dedica um espaço só meu.