(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Introspecto número um

Espalhados os olhos por dentro,
intangível pensamento:
aventura única em mim,
que nem cessa o atropelamento.

Os figurantes fitam
o transeunte desvairado,
aos largos na rua,
os passos que se me multiplicam.

Não há vento que me arraste uma folha
sou árvore,
sólida na minha certeza calada.

Urgência

Minha urgência engole
a preemência de protocolos e afins
sem zelo, ama em pelo:
só sabe dizer sim.

Acrobata,
velocista de pista molhada
não quer saber de próxima parada:
só quer estrada, enfim.

insípida.
Fome, sede.
Avassala em frente:
sacia sem rima.

Rasgo, guimba, palha, esquina.

sábado, 25 de abril de 2009

Cavaleiro-de-copas



Debaixo do céu enevoado,
firme designo
sobre o rocinante.
de escudo, bom naipe:
coração.

Contra o bafo gelado dos moinhos
Espadachim esferográfico
espalha seu verso sem rima,
aos sete-ventos:
semente.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pérola

Imagem do Google


Poesia nasce do conflito,
atrito:
areia na concha.

E causa uma pérola.

Correnteza

O que te arrasta a flor?
Quis saber da tua correnteza
e me falas de certeza
duma proteção que vem e te arrebata...

E cá te vejo hirta
cobiçando aventuras em abismos
nessa sandice de atiramento que proponho.

Ao capricho do rio, quê margem?
À margem do seguro!
somos incerteza, correnteza:
bastamos ir.

Segura!
Que nesse rumo te levo, sem prumo.
Ô rio!
Desvario sabor de arrastar.

Mineiramente

Mineiramente, espia!
À fresta da porta
silhueta feminina
espalhada sobre a cama.

Negócio sorrateiro
Toma-se em particular,
a verdade tem seu preço,
e tempo também.

A porta se abre:
quem apraz se deita.
A verdade é direito dum qualquer:
a todos iguais.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Amor-de-caixinha-de-música

Sobre a cômoda, numa caixinha
às vezes se põe a tocar:
distração de ouvir música,
espiar a bailarina convicta no ritmo.

Depois, guarda.
Não se cabe de lembrança-morta;
ou esquecimento-vivo?

Não.

Toca só mais um pouquinho!

Roda de novo, roseta na retina.
Cintila disso tudo um pouco, em átimos seguidos
com sabores de diferentes nostalgias
(acre, doce, amaro).

Enrubesce: pensamento fixo.

Fecha mais um vez
seu amor resignado
despropositado álbum:
retratos de emoções fortuitas.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Contribuição de leitores um

O insustentável peso do ser

Era racional demais para entender a vida. Na verdade, era ainda mais problemático o seu caso: repudiava o abstrato, mas, um pouco menos que o ilógico. Não sabia porque havia nascido, nem crescido, e cansava a cabeça quando tentava achar um seguimento, se quer, de lógica no universo. Se perguntava o que faria quando morresse e o que havia feito antes de nascer. Tinha dúvidas também em o que deveria fazer neste intervalo entre o começo, e o fim da vida: a própria vida. Concluía, por vezes, que se a vida fosse mesmo efêmera, como repetem os homens, deveria largar os martírios e se dedicar à vagabundagem. Para que, afinal, estudaria, trabalharia ou choraria, se poderia escolher caminhos fáceis para viver? e já que se trata de tão curto período a vida, e tão frágil, não seriam insensatas as coisas caprichadas? Deveria, então, viver até o instante em que morreria. E acabaria. O problema, tão intruso em sua rotina, é que às vezes pensava na vida de forma diversa. Também imaginava que a vida poderia ser uma passagem, rápida ou não, mas que teria uma continuação, que haveria encontros, a vida sendo respondida! a hora em que conheceríamos todas as respostas, de todas aquelas dificuldades passadas. Haveria encontros, felicidade e uma certa vontade de voltar a viver, e acertar. Agora parecia muito fácil. Mas de uma coisa sempre soube, sempre levou consigo: que não há nada menos democrático que a vida, para aquele que nasce, mas que, ainda assim, não há desperdício maior do que o ser humano que pensa em azar, e não em sorte.

Lenita Bandeira

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Metade

Uma parte de mim te afirma
cotidianamente
Outra parte me nega
Pelo vacilo de não me pensar

Uma convicção à escura
mas tantas dúvidas por conselho
Em verdade, há verdade só no meio:
Inside.

Reza à paz
Que teu alento um dia traz
e cai, de cima, alguma rima
Que prive o teu penar

Em parte, à metade,
esvai
No todo não somos
Nunca seremos jamais.

Rio de outono

Gosto do Rio pelo avesso
Com chuva e frio
Com cara de São Paulo
Gosto desse lado que desconheço

Gosto da pavorosa ressaca
Invade ruas e avenidas
Espanta o banhista:
Belas odes de netuno!

Gosto de casaco e calça comprida
Passagem apertada e recolhida
Tão protegida
Dos ares gelados de beira-mar

Gosto desse Rio diferente
Tal qual um pedaço da gente
Que ninguém costuma navegar.

domingo, 5 de abril de 2009

(Meu) Lento alento

Lento alento
que se me arrasta à face
a espera ferina que me arde,
que me fale!

Arre o vento,
brando tempo, da angústia
sopra folhas
de monotonia.

Chuvisca por dentro,
intento esparso,
que nem me sabe,
do que antes me varria.

Espalha, avante
minha semente
junca senda, que não se ofenda:
minha plantação.