(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sobre crateras, ilusões (Woody e Clarice)



O encanador abriu uma cratera no banheiro do meu apartamento e não chegou à conclusão alguma sobre o vazamento. Voilà, diante de uma cratera, muita gente boa conclui nada. Mas ele me cobrou o décuplo da minha hora intelectual de trabalho. Em duas horas como parecerista, tento-me concluir alguma coisa. O encanador craterista não concluiu nada, e exige bom cachê por isso. Ei-lo: “socrático das quitinetes de Copacabana”.

Ao final do dia, extorquido pela realidade, assisti “You Will Meet a Tall Dark Stranger", de Woody Allen, ótimo filme. Marcante a frase final: “ilusões podem ter melhores resultados que remédios”. De todos as personagens - losers- da trama, a que mais se destaca, ao meu ver, é Helena. Abandonada pelo marido, que resolve curtir um surto de juventude fora de hora, Helena descobre o dom de ser iludida. Consulta-se com uma vidente charlatã, que lhe anuncia acontecimentos para sua vida, de seu ex, de sua filha e genro. A personagem crê naquelas previsões que, forçosamente, acontecem. Iludida, piamente iludida, tanto faz crer, que tanto faz acontecer. A ilusão remedia a realidade.

Imediatamente, lembrei-me de um texto de Clarice Lispector, “Das vantagens de ser bobo”, em que diz:

O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu

Várias crateras nos são abertas cotidianamente, sem menor explicação. Custam caro: esforço de muitos exploradores dedicados, que ali depositam convicções ou bravatas sobre a realidade dos fatos. Beirá-las é uma experiência existencialística, que não leva a nada. Talvez o vão das crateras se preste, tão somente, às ilusões. Iludidos e sem pretensões, não sofremos a demasia do vazio, mas a alegria de poder preenchê-lo.

Ah, e como resolver vazamentos?

Quiçá o incômodo deixe de sê-lo quando não incomode mais, com ou sem conclusão.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Libertinagem número um



A vida em conserva
A vida se conserva
estrita,
na lata.

Abre a roda de espirais e caraminholas.
O horizonte vai além da vigília;
os amores estão ultramuros.

Todo limite é covardia de pensamento.
Cabe pulsar além desse tormento,
até onde o coração alcança.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sapatilhas Amarelas

Nem se explica.

Essa estória é para saber:
quanto você calça.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Partida

Quando aperta o passo
aperta meu peito
meu compasso é teu aperto de partir

ensaio, soslaio
minhas mãos em forma de pedir:
tua partida é minha parada.
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