(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Centelha universal

Os grãos dessa colheita espalharam-se por todo lado.

Até aqui.

O chão dessa lavoura é sempre o mesmo: mudam-se os pés.

Meus pés caminham no plantio orvalhado que logo me matará a fome...

Os chãos, os pés, as mãos...
tudo é arranjo
da centelha universal que nos une.

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Vinho-doce

Sorvo o vinho doce...

Como no amor, quero inebriar adoçado, sem secura...

A austeridade forma adultos,
desmonta crianças,
dilacera adolescentes.

Eu vinha austero;
veio o vinho e mudei.

Eu quero o açúcar mais gordo que possa haver:

Nas bombas de chocolate, nos vinhos baratos, nas frutas, flores...
Nas damas.

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Sobre a chuva fina

A chuva fina torna o passo apreensivo com poças, a caminhada aflita nos desvios de guarda-chuvas pelas calçadas, o trânsito mais irritante...
Mas se da janela olho, a serenidade de mim se apropria.
Todas as mazelas, suspensas no ar, escorrem pelas calhas.

As ruas estão limpas.
As pessoas aquietam em seus cantos, desprovidas das urgências de um dia de sol.
As lavouras resplandecem.
A chuva fina me faz crer numa orquestração invisível dos acontecimentos...
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Embora

Embora ninguém goste de partida,
eu espero a divertida hora de dizer
"vou embora!"

domingo, 27 de janeiro de 2013

Stoppage


Paro pra fazer poesia...
então, paro de fazer poesia.

(aquele verso me acelera)

Se não paro, não poemo;
se paro, deixo de poemar.

Não consigo respeitar as leis de trânsito!

Revival

Quanto mais alto estou,
menores os amores que me passaram.

Hoje acertaria todos os meus erros
e me encontraria por onde desencontrei.

Mas não sentiria daquele jeito...

Não amaria tanto!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Paraíba

Paraíba dorme na rua. Sua história toda a cidadezinha conhece: perdeu todos os documentos. Vez em quando aparece no fórum bêbado, mas o guarda o coloca pra fora. Passa um tempo, volta aprumado, confiante que vai resolver. Então, sabe sua origem: cidade natal (no interior da Paraíba), nome de pai e mãe, data de aniversário. É atendido pelo Defensor Público, que oficia ao Cartório de Registro Civil, solicitando a segunda via. O Cartório responde que em todas as buscas realizadas, não encontrou o referido registro de Nascimento. Paraíba fica nervoso, mas logo à tardinha retoma sua rotina na praça. Sempre rodeado de vira-latas, e geralmente com uma garrafa de pitchulinha na mão, certa feita subiu num palco recém-montado pela Prefeitura e ficou cantando por horas, acompanhado por uma platéia de deboche bem interiorano. Às vezes trabalha; faz um bico na lavoura ou na lida com porcos. Paraíba, não consta do livro tombo, está "desdocumentado", não lê, não escreve. Mas carrega uma dignidade ínsita, que o preserva da mendicância. Justamente quando me venta essa sensação, ele me vê passar; interrompe a caminhada e me aponta: "amigo, gosto de você do fundo do meu coração!"

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Expectativa de_vida

A vida é uma... Dívida.
Vou quitá-la aos setenta,
Entrar na compulsória
E ver as cataratas.

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Avenida Atlântica

Sou um realista bêbado;

quando o dia morre, a noite me socorre.

Todas as ilusões são passageiras:
duram até a luz chegar.

Amor, amor, amor:
é minguante em noite turva...

...

Rola um programinha?

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Livraria Cultura

No Centro da cidade, há vida
ávida em cartaz:
-filmes pornográficos para adultos;
-exposição dos Impressionistas;
-balé no Municipal;
-ambulantes vendedores de inutilitários, como a luva em forma de pato e o fabuloso ralador de legumes;
-malhas históricas sob nossos pés: chão que já foi colônia, império e república.
Hoje estou defronte à nova Livraria Cultura da Senador Dantas,
com incontáveis livros, dentre os quais o meu, por encomenda, em quinze dias.
A vida é como o Centro e a Livraria Cultura:
livros em prateleiras ou por encomenda
cujas histórias sequer serão lidas,
mas sempre acessíveis ao aguçado senso de observação.

Gregários

Fazemos nós ainda que separados.

(e caminhamos com cadarços desamarrados)

O laço ata e desata por desatino do destino.

Somos gregários:
calçamos em pares,
pisamos nos pés que nos dançam
e tropeçamos naqueles que pisamos.

E sempre assim seguimos.

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