(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Paraíba

Paraíba dorme na rua. Sua história toda a cidadezinha conhece: perdeu todos os documentos. Vez em quando aparece no fórum bêbado, mas o guarda o coloca pra fora. Passa um tempo, volta aprumado, confiante que vai resolver. Então, sabe sua origem: cidade natal (no interior da Paraíba), nome de pai e mãe, data de aniversário. É atendido pelo Defensor Público, que oficia ao Cartório de Registro Civil, solicitando a segunda via. O Cartório responde que em todas as buscas realizadas, não encontrou o referido registro de Nascimento. Paraíba fica nervoso, mas logo à tardinha retoma sua rotina na praça. Sempre rodeado de vira-latas, e geralmente com uma garrafa de pitchulinha na mão, certa feita subiu num palco recém-montado pela Prefeitura e ficou cantando por horas, acompanhado por uma platéia de deboche bem interiorano. Às vezes trabalha; faz um bico na lavoura ou na lida com porcos. Paraíba, não consta do livro tombo, está "desdocumentado", não lê, não escreve. Mas carrega uma dignidade ínsita, que o preserva da mendicância. Justamente quando me venta essa sensação, ele me vê passar; interrompe a caminhada e me aponta: "amigo, gosto de você do fundo do meu coração!"

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