(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sábado, 17 de janeiro de 2009

Tautologia do amor

Amor se clama,
ao primeiro desgoto, reclama,
enxota,
e depois espera que volte
abanando o rabo.

Aqui, com tons de amizade
Ali, uma saudade,
vício constante de pensar,
sem qualquer razão.

Contra-ponto.
Não se sabe se veio antes angústia ou amor.
Um pra dar causa ao outro,
outro pra remediar um.

Quando se tem domínio
é bom, mas é pouco:
insatisfação pelo não arrebatamento...

Quando não se domina,
ruim, mas gostoso:
a delícia do contra-senso.

Amor com raiva, com mérito
amor determinado, ou ainda:
não planeado.

Todas as formas em que é:
pura tautologia.

3 comentários:

  1. ah...haja bossa! fazia tempo que eu nao vinha aqui, na verdade nem sabia em qual dos teu blogs eu devia comentar, por isso comento no mais atual!
    beijos

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  2. Esse ano quero algo mais descomplicado que isso.

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  3. Amar

    Que pode uma criatura senão,
    senão entre criaturas, amar?
    amar e esquecer,
    amar e malamar,
    amar, desamar, amar?
    sempre, e até de olhos vidrados, amar?

    Que pode, pergunto, o ser amoroso
    sozinho, em rotação universal, senão
    rodar também, e amar?
    amar o que o mar traz à praia,
    o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
    é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

    Amar solenemente as palmas do deserto,
    o que é entrega ou adoração expectante,
    e amar o inóspito, o áspero,
    um vaso sem flor, um chão de ferro,
    e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

    Este o nosso destino: amor sem conta,
    distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
    doação ilimitada a uma completa ingratidão,
    e na concha vazia do amor a procura medrosa,
    paciente, de mais e mais amor.

    Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
    amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

    Carlos Drummond

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