(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

recapitulação

 Uma tarde à toa e um passeio no arquivo deste Blog - já tão démodé no formato - trazem vivências de épocas. Embora sempre fosse aqui espaço para rascunho e não arte final, para iter e não consumação, é interessante reolhar textos antigos, não com intenção de garimpo, mas com generosa percepção do momento da escrita. Que circunstâncias corriam ali, no ato da digitação, da escolha e falta de palavras? Que experiência arrebatava a escrita e que sentimentos eram dilatados ou forjados ao desenvolver as linhas? Alguns desses textos, hoje, melhorariam à reescrita; outros seriam mortos por ela, soterrados pela preocupação estilista. Em verdade, importa menos o que foi dito, não a forma de dizer. Há milhões de sinônimos e figuras de linguagem, para dizer com ênfase, disfarce ou estilo tanta coisa; mas o sentimento é uno, cru, desinteressado por bulas. O sentimento é só, puro, despretensioso, aceita papel de pão ou pólen. Exatamente por isso inexista hierarquia entre o poema publicado e aquele que restou esquecido por aqui. Aliás, os supostamente desimportantes são o que melhor sofrem ação do tempo, apuram-se e fermentam. Olhando pra eles, alcanço muito mais do que pretendiam dizer. Diga-se "sentido implícito" ou outro nome que se dê. Os poemas renegados tem um charme e carregam um vaticínio, como mensagem em garrafa lançada ao mar: depois de muitos anos, as estrofes desarranjadas, palavras inadequadas e cacofonias se orquestram.

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