(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Tempos

Imagem do Google


Um dia, achamos que os joelhos nunca iriam doer; que o porre não acarretaria ressaca; que os cabelos não cairiam nem ficariam brancos; e que as paixões não passariam.

O futuro era um projeto distante, de fundamentos até então remotos: como você imaginava seu próprio futuro?

Depois de tantas voltas, desencontros e sacrifícios, estamos um tanto cansados.

Então, buscamos estabilização:
- um emprego estável;
- um amor que não cause palpitações e que, depois de um dia, encontremos no mesmo lugar;
- uma roteiro de viagem, para conhecer todos os pontos turísticos de um lugar;
- amizades que comemorem 10 anos de formatura, despedidas de solteiros;
- um financiamento imobiliário a juros baixos;
- uma banheira de hidromassagem num apartamento maior;
- fazemos uma lista extensa de realizações para o ano novo.

Além disso, contamos com a pretensão tola da sucessão. 

Do alto da (in)consciência da finitude, pensamos em filhos, na possibilidade de legar-lhes pensamentos e convicções; educar como se gostaria de ter sido educado, em colégios trilíngues. O filho há de ser nossa vitória em tempo recorde, sem desperdícios das tentativas frustradas.

Amadurecer parece isso: quanto mais se é, mais vamos deixando de ser - alguma outra coisa, mais ou menos inacabada, mais ou menos amorfa - até nos tornarmos rijos projetos de nós mesmos.

O sonho é uma ideia que se pensa certa para si. E quando finalmente chega e vestimos, como se fosse roupa de vitrine: falta algum caimento, e o encanto vai embora.

Por isso, o fim dos tempos é a incerteza, apavorante incerteza: causa maior de inquietude, arrebata qualquer propriedade humana. Está sempre à espreita e num repente sopra qualquer solidez como se fosse areia.

Resta-nos, então, deliciosamente: fazer castelos à beira do mar enquanto a maré é baixa.

2 comentários:

  1. Olá!
    Passando por aqui, deparei-me com esse texto de puro realismo poético. Belíssimo! Contundente! Verdadeiro! De agradável leitura. Percebe-se que o aparente menino possui uma consciência aguçada da vida.
    Abraços

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  2. Belo! A finitude molha todo castelo, exceto o meditativo. :) Abraços

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