(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

quarta-feira, 11 de março de 2020

farinha láctea

quando criança, sempre olhava o céu e apontava estrelas, aceitando a lenda de ganhar verrugas

passaram-se tantos anos e sinto que as estrelas seguem as mesmas, como se vivessem um tempo acima do tempo
e nossas décadas lhe fossem segundos

entre o menino e o homem a mesma estrela hirta, confinante do incerto

estará perto ou longe? será brilho novo ou luz enfraquecida? quantos meninos viu tornarem-se homens? quantos lhe apontaram e já viraram pó?

stardust: elas também se findam suave, embora muito, mas, muito mais lentamente, saboreando a delícia do implacável apagar

abro as janelas, pálido de espanto
espio todos os andares vizinhos
quase todos, excetos os insones, dormem

hoje é dia de lua máxima cheia
toda nua, inunda a rua
e nem lhe dou bola

quero-te estrela
dos meus apontamentos de ontem e agora

como antes vivia o céu
curtindo a aragem fria e leve da serra
hoje revivo tudo isso
silenciado sob um cálice de tinto

e quase parnasianando
sei que as amo para entendê-las:
lembrei até que o céu nos havia

perdoai por todo o tempo desalongando o pescoço
sem fazer notar minha miúda significância 
curiosamente tamanha à tua grandeza, que chega aqui em um rastro singelo, quase sussurante

que será do teu tempo, estrela? 
viveste, olhaste, choraste, enfraqueceste tua luz? 

alumia como sempre e sou eu, ora, míope?

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