(qualquer verossimilhança é mera descoincidência)

sexta-feira, 19 de março de 2021

Nos tempos da buzina

"Era tudo diferente", consignava o uberista, inconformado com a criminalização do flerte maroto do trânsito carioca. "Quando avistava aquela beldade já diminuía a marcha aguardando o sinal fechar", destacava. Na sua descrição, a buzina era a variante motorizada do assovio. Ressaltou que sua buzinadinha era bem leve, uma batidinha de punho direito cerrado, bem discreta, para não assustar. Ainda assim, a revolução feminina foi gradativamente repelindo a irreverência do condutor: pouco a pouco aumentou a incidência de respostas com dedos médios em riste. Invocando romance, cortejo e gracejo, o uberista asseverava que sua avó conheceu sua avô pelo repique de um clássico Ford Bigode, de modo que, sem aquele - hoje malfadado - som, sua estirpe sequer existiria. Relatou ainda, com riqueza de detalhes, abordagens realizadas em diferentes épocas, sempre com sutileza e respeito até que, hoje, fosse contido pelo medo, determinado pela experiência de um colega de praça, cujo casamento e emprego em firma foram destruídos após uma buzinadinha marota à vizinha da Vila da Penha. "Vou te dizer, não existe infração mais grave no Código de Trânsito do que essa, antes perdesse a CNH".

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